Escrito por Felipe Moron Escanhoela. Publicada por Leonardo em 03 Setembro 2010.

Autor: Cao Hamburger, cineasta.

O Premio Jabuti 2010, na categoria Ciência e Tecnologia, foi para um livro enorme, do tamanho de um catalogo telefônico, que contem os trabalhos científicos de um dos maiores cientistas brasileiros – “pioneiro da física teórica e matemática no Brasil” –, publicados entre 1938 e 1948, no Brasil e no exterior. “Obra científica de Mario Schönberg” volume 1 (editora Edusp) foi coordenado por Amélia I. Hamburger que foi aluna e amiga de Schönberg e, não por acaso, é minha mãe.

Mesmo eu sendo filho de físicos (mãe e pai – Amélia e Ernst Hamburger) e de ter convivido desde pequeno com os maiores físicos do país, em almoços regados a partículas elementares e teoria da relatividade, folhear esses trabalhos ainda me surpreende pelo grau de abstração que a ciência e os cientistas podem chegar. Tudo é tão específico e abstrato que poderia confirmar aquele estereótipo do cientista maluco, de cabelos despenteados, terno desalinhado, desligado do mundo real que o cerca.

Multifacetado. Mas o “Prefácio Introdutório” desse volume, escrito por Amélia, desfaz de cara essa possibilidade. Depoimentos, trechos de cartas e documentos pessoais, nos transportam ao tempo-espaço que a personalidade multifacetada de Schönberg ocupou na vida cultural e política do Pais, ao mesmo tempo que, para quem conhece a autora, revela sua real motivação em dedicar quase 10 anos de seu tempo-vida (expressão de Schönberg) ao seu professor e amigo.

Sobre atuação política de Schönberg, por exemplo, são destacadas “algumas afirmações que podem parecer contraditórias” por ele ter sido membro atuante do Partido Comunista Brasileiro (deputado estadual caçado): “Da Índia emanam doutrinas profundamente espirituais que poderão agir fortemente sobre os EUA e talvez sobre a Rússia... Tolstoi chegara um dia à doutrina da não violência.” (M.S.).

Para exemplificar sua curiosidade ampla e sem preconceitos, depoimento do escritor e poeta Carlos Frydman: “ ...Mario Schönberg era capaz de assistir uma sessão de candomblé, de ler sobre as religiões, sobre os mitos, aceitar o atavismo... “. Da artista plástica Ligia Clark: “ Mario Schönberg foi uma das personalidades mais completas e maravilhosas com quem convivi. (...) Nem sei o que teria realizado na minha obra sem conhecê-lo...”

Natureza. Ainda sobre arte e antecipando o assunto mais premente dos dias de hoje, um texto de Schönberg sobre a obra de Francisco Rebolo, de 1973. “A arte nos ajuda a descobrir o que começa a ser necessidade premente para a humanidade... Hoje, temos necessidade de uma nova aproximação com a Natureza... O ciclo racionalista e tecnologista, iniciado durante a Renascença, chegou ao seu fim com a sociedade de consumo, na sua mortífera robotização e poluição... Devemos a Rebolo toda uma variedade impressionante de apreensões artísticas do tempo-vida, nas suas melhores paisagens, nos seus retratos e figuras humanas…” (M.S.).

A leitura dessas notas biográficas revelam um brasileiro humanista e curioso, de idéias firmes, mas humilde em sua busca em entender o mundo e o ser humano. Um pessoa atuante, corajosa, profundamente comprometida com o “construção de seu entorno, de sua comunidade”, com a liberdade de pensamento e com horror ao autoritarismo e patrulhamentos de qualquer espécie. Não por coincidência, esse é o retrato que tenho de minha mãe.

Nesse texto introdutório de 40 paginas aproximadamente, Amélia generosamente nos mostra um pouco da personalidade e da obra de Mario Schönberg, e sem perceber se revela em toda sua grandeza. Mario e Amélia são dessas pessoas que decidem preencher seus tempo-vida com o que realmente vale a pena. Tarefa árdua. Poucos conseguem.