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Por Gesil Sampaio Amarante Segundo

No Brasil, as atividades de pesquisa científica e tecnológica, a transferência de tecnologia (TT), a incubação de empresas e demais ações relacionadas com a geração e a aplicação do conhecimento e o suporte à Inovação ainda enfrentam um arcabouço legal inadequado, apesar dos progressos gerados pela Lei da Inovação (Lei 10.973/2004). 

Embora reconhecidos como imprescindíveis para a inserção soberana do país na economia global e sua sustentabilidade econômica e social, há poucos mecanismos criados para a adequação das leis que regem o uso dos recursos públicos (regras construídas para ações essencialmente previsíveis e padronizadas) a estas atividades. Muitas vezes, estas tratados como excepcionalidades, de uso permitido em último caso. Essencialmente indesejáveis. E isso é apenas parte do problema.

Após anos de debate e repetidas demonstrações de insatisfação da comunidade científica quanto à excessiva burocracia que dificulta o exercício da pesquisa, foi entregue ao então Presidente Lula, durante a 4ª Conferência Nacional de CT&I (2010), um documento com reinvindicações de um novo marco legal para a ciência brasileira, assinada pela Academia Brasileira de Ciência (ABC) e a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC). No ano seguinte, tendo este documento como base, a Confederação das Fundações de Amparo à Pesquisa (CONFAP) e a Confederação de Secretarias e CT&I(CONSECTI) construíram um extenso Projeto de Lei, prontamente adotado pela Frente Parlamentar da Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, na forma do Projeto de Lei 2177/2011, com o nome de Código Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação. 

A despeito de uma série de imperfeições, este Projeto teve o inegável mérito de organizar a discussão não mais em torno dos inúmeros problemas, mas em torno de propostas de solução. E tem como um dos pressupostos o de que a pesquisa científica, o desenvolvimento de soluções tecnológicas e a busca pela realização da inovação representam elos de um sistema interdependente. Não podem e não devem ser tratados de forma isolada. Sem capacidade científica e tecnológica, não há como gerar competitividade de forma sustentável. Apenas a inovação incremental, embora essencial no dia-a-dia das empresas, não permite a busca pela liderança. Não permite chegar primeiro.

Dois anos depois de criado, o PL 2177 sofreu grandes alterações e gerou um conjunto de iniciativas complementares. Abandonou-se a ideia da criação de um Código, classe de dispositivos legais que carregam em si a ideia de consolidação e pouca abertura a mudanças, o que considerou-se inadequado para os temas tratados, eles mesmos em constante e rápida mutação.

Além das audiências públicas realizadas pela Frente Parlamentar e pela Comissão Especial do projeto, presidida pelo Deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP), vários debates tem sido realizados em diversos estados (RJ, SP, BA, PE, MG, RS) e um Grupo de Trabalho com representantes de diferentes Ministérios, órgãos, entidades de representação empresarial, científica e de inovação foi montado pelo relator do PL na câmara, o Deputado Sibá Machado (PT-AC), que muito tem se dedicado ao tema, para consolidar as contribuições numa versão substitutiva do PL e propor outros desdobramentos. 

Para viabilizar alguns dos resultados esperados desta iniciativa, optou-se pela criação de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), que atualiza alguns artigos da Constituição Federal, prevendo, entre outras coisas, incentivos à cooperação entre os diversos entes, públicos ou privados, incluindo os temas de CT&I no artigo 24, que lista aqueles de legislação concorrente entre a União, estados e municípios. Isso quer dizer que uma lei federal sobre tais temas não precisa ser replicada nos estados para ter validade nas instituições destas esferas, como ocorreu com a Lei da Inovação, que até hoje não é aplicável em uma série de estados (pela falta de uma Lei de Inovação local ou pela falta de sua regulamentação). 

Esta uniformização legal ajudará na viabilização de um Sistema Nacional de CT&I de fato, não um conjunto de sistemas mais ou menos compatíveis hoje existente, facilitando ações em rede nacionais ou mesmo locais, com instituições de diferentes esferas. Isto não impedirá que os estados legislem em aspectos não cobertos pela Lei federal, de forma complementar, partindo desta mesma base comum.

As ações de simplificação e agilização dos processos de aquisição, contratação e convênios por instituições públicas, os principais motivadores deste PL, não poderiam ser, por regra constitucional (artigo 22 da C.F.) tratados num projeto de iniciativa do poder legislativo. Optou-se portanto pela criação de um Projeto de Lei de iniciativa do executivo para a criação de um Regime Diferenciado de Compras e contratações (RDC) para CT&I. Este RDC está ainda em elaboração e deve ser publicado pelo governo nos próximos dias.

O Capítulo referente ao acesso à biodiversidade foi retirado, com o compromisso do Governo Federal de priorizar a finalização do projeto que trata desta matéria de forma mais ampla, em discussão há vários anos, e que tem como objetivo unificar e modernizar a legislação fragmentada e confusa que resulta hoje em grandes obstáculos à pesquisa, em especial àquela voltada para o desenvolvimento de tecnologias derivadas da biodiversidade brasileira, mesmo em ICT públicas, como a EMBRAPA. Enquanto isso, empresas investem em tais desenvolvimentos, no exterior.

A PEC 290, de proposição da Deputada Margarida Salomão (PT-MG) e Relatada pelo Deputado Izalcy (PSDB – DF), a Lei do acesso à Biodiversidade e o RDC de CT&I complementam o PL 2177/2011 que, em sua forma atual, faz uma extensa atualização da Lei de Inovação, cria o Sistema Nacional de CT&I e ainda abre possibilidades de avanços em outros temas, tais como a importação para a pesquisa, o funcionamento dos Núcleos de Inovação Tecnológica, Incubadoras de Empresas e Parques Tecnológicos, o apoio às empresas que investem em pesquisa no Brasil, entre outros, alguns destes tendo sua confirmação necessária em Decretos e outros instrumentos normativos. 

Todo este esforço suprapartidário e construído a várias mãos, necessitará ainda de forte apoio da comunidade científica, tanto para que as suas reivindicações sejam efetivamente atendidas na forma final destes dispositivos, quanto na aprovação de cada um deles, o que se espera ser feito ainda este ano.

Foi criada uma página no NIT-UESC com material da discussão em andamento do PL:
http://nbcgib.uesc.br/nit/portal/news/pl2177.php

25/09/2013

Gesil Sampaio Amarante Segundo
Professor Adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz (BA)
Coordenador do Núcleo de Inovação Tecnológica da UESC (NIT-UESC)
Representante do Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia – FORTEC – No GT do Relator do PL 2177/2011