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Onze de janeiro deste ano foi marcado por uma cerimônia de grande significado para a comunidade científica brasileira; a sanção pela Presidente Dilma Rousseff do Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (PLC 77/2015), juntamente com o lançamento do Edital Universal 2016, pelo Presidente do CNPq, Hernan Chaimovich. Além de representantes do alto escalão do Executivo e de parlamentares associados à questão do desenvolvimento científico e tecnológico, o auditório do Palácio do Planalto estava repleto de destacados representantes da comunidade científica, entre eles o Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis, e a Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader. Creio que desde o lançamento do Plano Nacional de Ciência e Tecnologia pelo Ministro Sérgio Rezende, no segundo mandato do Presidente Lula, não se via tamanha concentração de cientistas no Palácio do Planalto.

Certo sentimento de alívio e satisfação fluía pelo ambiente. Felizmente, após mais de um ano de péssimas notícias com relação ao financiamento da atividade científica no país, causadas pela crise econômica e ajuste fiscal, boas novas eram trazidas pelas autoridades. Por um lado, a aprovação da PLC 77/2015 vinha atender, apesar de que apenas parcialmente após os vetos da Presidente da República, a necessidade de aprimoramento do arcabouço legal para as atividades de ciência, tecnologia e inovação – CT&I, que há muitos anos estava sendo enfaticamente externada pela ABC e SBPC. Por outro lado, após um ano sem chamada Universal, o Edital Universal 2016 foi finalmente lançado com recursos financeiros totalizando duzentos milhões de reais.

Embora o orçamento esteja muito aquém das expectativas, considerando o grande aumento da atividade científica no país na última década e que, na realidade, atende à demanda de dois anos consecutivos, o lançamento do Edital Universal este ano traz um significado simbólico importante. De fato, os recursos para os editais universais cresceram, de forma contínua, desde 2010, quando foi de cento e vinte milhões, até atingir duzentos milhões de reais em 2014. No entanto, é importante realçar que o aporte inicial direto do orçamento do CNPq foi sempre de cinquenta milhões, complementados com recursos advindos do FNDCT. No edital do ano passado, que acabou não sendo lançado, constavam apenas os cinquenta milhões vindos do orçamento do CNPq. Portanto, a notícia de que este ano os recursos de FNDCT voltam a compor os recursos financeiros para o Edital Universal dá uma importante sinalização com relação ao financiamento de CT&I no país, conforme mencionado pelo Ministro Celso Pansera em seu discurso na ocasião.

Mas, mesmo naquele clima de regozijo, conversando com colegas antes e depois da cerimônia, em particular com alguns representantes de sociedades científicas, ficou-me evidente que uma sensação de insegurança e de falta de estratégia de como agir, para garantir os recursos necessários para a atividade científica neste cenário de ajuste fiscal, ainda permeia a comunidade. Imediatamente me veio à mente o título de um artigo de David McConnell, publicado em dois de abril do ano passado, sobre uma carta enviada ao Governo Irlandês, assinada por mil e cem cientistas, reclamando da política de cortes aplicada à atividade científica devido à crise econômica: “Science is in crisis and scientists have lost confidence in Government Policy”.

Naturalmente, na atual situação brasileira, há vários motivos para a desconfiança; o grande atraso no processamento da última chamada para o programa dos INCTs, os cortes no financiamento de grandes projetos estruturantes, como a fonte de luz sincrotron SIRIUS e o reator multipropósito RMB, o severo corte no orçamento e falta de reposição de pessoal em unidades de pesquisa do MCTI e nas universidades públicas estaduais e federais, etc. No entanto, não creio que essas sejam as razões principais para o sentimento de desconforto e desconfiança, mas sim a incerteza com relação às medidas a serem tomadas pelo Governo Federal na determinação de prioridades para o setor de CT&I em um cenário de forte ajuste fiscal.

O efeito de crises econômicas e seu relacionamento com o desenvolvimento científico e tecnológico é um tema que tem periodicamente retornado a preocupar governos e comunidades científicas de vários países. Em particular, por ocasião da crise econômica mundial de 2008-2009, vários estrategistas se debruçaram sobre a questão. Por exemplo, em 2009 a agência VINNOVA para inovação do Governo Sueco analisou, como forma de combater a crise econômica, investimentos estruturantes em ciência e desenvolvimento. Uma de suas conclusões foi que essa estratégia não funciona se não houver uma estrutura científica e tecnológica adequada implantada no país.

Na crise da década de noventa, por exemplo, o Japão investiu fortemente em pesquisa e desenvolvimento sem resultados satisfatórios para recuperação de sua economia. É instrutivo repetir duas das causas apontadas pela OECD (adaptadas e resumidas pelo autor) para o aparente fracasso das medidas adotadas:

  • falta de uma política abrangente para endereçar todos os impedimentos para inovação, como fracas conexões entre a indústria e o meio científico;
  • falta de autonomia das universidades em seu relacionamento com a indústria, com relação a regulamentos, restrições de execução orçamentária, regras limitantes de contratação de pessoal, mecanismos de proteção de propriedade intelectual, etc.

Realçando que estamos falando do Japão, qualquer semelhança com a situação brasileira não é mera coincidência. Sob esse aspecto, em seu discurso a Presidente Dilma Rousseff afirmou claramente que esse marco legal iria simplificar e dar segurança jurídica na colaboração entre empresas e o meio científico para promover a inovação tecnológica. Tomando então por pressuposto que a solução desses problemas estruturais está sendo agora adequadamente encaminhada pelo Governo Federal, resta considerar outro aspecto fundamental para o desenvolvimento em CT&I: o estabelecimento de prioridades e formulação de projetos estruturantes. Este é um tema complexo no qual é essencial a participação criticamente construtiva das sociedades científicas.

A tradição brasileira nesse particular é que, identificados problemas e carências, ocasionalmente até de forma competente, o Governo Federal, como um todo, ou alguns de seus órgãos, imediatamente propõe novos programas, muitas vezes bastante ambiciosos e megalomaníacos, sem a devida contribuição da comunidade científica. Outras vezes, algumas personalidades, que têm facilidade de circulação nos meios acadêmico e político, acabam propondo soberbamente novos programas, ou seja, sem se preocupar com o que já foi feito ou que está em funcionamento adequado. Com isso, alguns programas desastrosos para a ciência brasileira foram propostos ou implantados. Entre eles destaco o Programa de Plataformas do Conhecimento, que felizmente parece estar suspenso, e o formato, magnitude e açodamento com que o Programa Ciência sem Fronteiras foi implantado.

Infelizmente, nas últimas duas décadas, embora as sociedades científicas, incluindo a ABC e a SBPC, tenham em algumas ocasiões apontado falhas na política de implantação de programas estruturantes como esses, o deixaram de fazer na forma enfática, coordenada e construtivamente crítica que fizeram no passado, em particular no período militar.

Estamos atravessando um período de análise e de revisão da proposta preliminar da Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação – ENCTI 2016-2019, elaborada pelo MCTI. Embora seja muito bem-vinda a abertura do MCTI para que as sociedades científicas colaborem nesse projeto, não posso deixar de apontar algumas falhas de concepção. Em primeiro lugar, parece-me lamentável que, aparentemente, as sociedades científicas não tenham sido convidadas para contribuir de forma abrangente já na fase inicial de sua elaboração. Além disso, causa estranheza e certa decepção que ela não tenha sido pensada como uma revisão, atualização e complementação das propostas apresentadas no Livro Azul da 4a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. Esse documento resultou de abrangente e bem articulado trabalho envolvendo toda a comunidade científica brasileira, institutos de pesquisa, universidades e sociedades científicas.

Mesmo assim, julgo que as sociedades científicas têm que aproveitar essa oportunidade, de forma articulada, resgatando pelo menos parcialmente o processo que resultou no Livro Azul, para efetivamente alavancar o desenvolvimento nacional em CT&I no atual cenário de fortes restrições orçamentárias.

Agradeço à Professora Belita Koiller por construtivas sugestões.

Ricardo Galvão