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Para surpresa e indignação da comunidade científica, o Congresso Nacional modificou na proposta de Orçamento de 2017 as fontes de parte substancial dos recursos alocados à área de CT&I. Segundo a proposta orçamentária originalmente submetida ao Congresso, a totalidade dos recursos para CT&I estaria vinculada à chamada fonte 100, proveniente do Tesouro Nacional. Contudo, alterações à proposta estipularam que cerca de 20% do total fosse transferido para a fonte 900 (recursos condicionados), cuja origem e existência é incerta.

Uma nota de repúdio foi lançada em 30 de dezembro de 2016, subscrita pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), pela Sociedade Brasileira de Física (SBF) e por outras quatro entidades nacionais, manifestando nossa preocupação coletiva.

Esta operação do Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente Michel Temer em 27 de dezembro, soma-se a uma sequência de sinalizações explícitas do desprestígio das atividades científicas junto a diversos setores do governo e do parlamento observadas ao longo de 2016. Em retrospectiva, trazemos algumas dessas sinalizações, divulgadas em seu devido tempo no Boletim semanal da SBF.

Ainda no 1º semeste de 2016, por decisão do governo interino, foi decretada a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o Ministério das Comunicações, passando a ser denominado Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC). O Ministro nomeado, Gilberto Kassab, se prontificou a dialogar com a comunidade científica insatisfeita com o lamentável fim do MCTI.

Em reunião aberta realizada na ABC em 16 de junho, declarou o Ministro Kassab: “Vamos tentar estabelecer um cronograma, quem sabe até uma lei, para que os investimentos em ciência possam se aproximar dos 2% do PIB, pois essa bandeira eu comprei.” Declarou ainda que o “carro-chefe” do MCTIC seria CT&I, cujas iniciais aparecem em 1º lugar no nome do ministério.

Em outubro de 2016 foi anunciada a reestruturação do MCTIC, segundo a qual o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) passaram a ser subordinados a uma “Coordenação Geral de Serviços Postais e de Governança e Acompanhamento de Empresas Estatais e Entidades Vinculadas”.

Essa Coordenação pertence a uma Diretoria, que, por sua vez, responde à Secretaria Executiva do Ministério. Tal reestruturação reflete total descaso e desconhecimento das atividades científicas.
Seguindo o conceito de “carro-chefe” enunciado pelo ministro meses antes, as principais agências ligadas a CT&I passam a ser pilotadas pelos Serviços Postais, e as entidades científicas passaram a ocupar posição no quarto escalão do Ministério. Em outra perspectiva, talvez a sigla MCTIC signifique Ministério das Comunicações, Tecnologia, Inovação e Ciência.

Em novembro, a comunidade científica recebeu com algum otimismo a notícia da realização em 10 de novembro da reunião inaugural de reinstalação do CCT (Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia), presidido pelo Presidente da República Michel Temer e da qual participaram vários ministros. Mas o otimismo durou pouco, com a aprovação da PEC 55 em 13 de dezembro.

A PEC 55 introduziu emenda constitucional, já vigente, que estabelece um teto global para as despesas do setor público no país. A discussão do Orçamento anual tornou-se, consequentemente, uma discussão vital sobre as prioridades relativas das diversas áreas que compartilham o mesmo limite de recursos. Não seria exagero dizer que é na distribuição de recursos que se decidirá neste e nos próximos poucos anos o futuro do país.

Como entidade representativa dos físicos brasileiros, a SBF não pode deixar de atuar no sentido de assegurar que a ciência obtenha os recursos indispensáveis para sua sobrevivência e seu desenvolvimento. Nos preocupa, portanto, o cenário que se desenha no encaminhamento do Orçamento de 2017 com relação à área de Ciência e Tecnologia.

O remanejamento de R$ 1,7 bilhão do Orçamento de Ciência e Tecnologia, até então com fonte 100 (Recursos do Tesouro) para a fonte 900 (Recursos Condicionados) significa que poderemos sofrer um corte de 20% sem que seja necessária qualquer manifestação do Congresso. É um corte pré-datado, a ser implementado por omissão.

Esta é a declaração mais eloquente de que, para o Congresso Nacional, que apresentou a proposta de troca de fontes, e para a Presidência da República, que a sancionou, CT&I não constituem prioridade.

A reação da comunidade científica é de completa perplexidade. Não falamos apenas como cientistas, cujo trabalho será diretamente afetado por essas medidas descabidas, mas como cidadãos brasileiros que se preocupam com as perspectivas de futuro para o país.

Um governo que, em plena era do conhecimento, despreza a geração de conhecimento – motor inquestionável na criação de novos produtos, serviços e, por consequência, na promoção do desenvolvimento econômico e social – está na realidade desprezando exatamente os mecanismos que poderiam ajudar o Brasil a sair da grave crise em que ele se encontra.

Exortamos portanto que as autoridades reconsiderem as atitudes até aqui tomadas e passem a tratar o setor de CT&I com a consideração e o nível de prioridade que ele demanda.

Belita Koiller                                                Marcelo Knobel
Presidente da SBF                                     Vice-presidente da SBF