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Por Regina Pinto de Carvalho, do Departamento de Física da UFMG

Na década de 1960, quando entrei para o ensino médio (que na época se chamava “colegial”), fui apresentada a uma “matéria” muito esquisita. A Física, árida e cheia de fórmulas, não me atraiu nem um pouco. Eu tinha a intenção de estudar Medicina. Porém, no segundo ano do curso, o professor adotou um livro diferente, resultado de um projeto de ensino norte-americano, que chamávamos ‘o PSSC’ – (Physical Science Study Committee). O texto nos levava a observar a Natureza e tentar interpretá-la usando conceitos físicos, com exemplos e ilustrações que abrangiam desde assuntos corriqueiros até pesquisas recentes e sofisticadas.

Mudei logo de ideia, decidida a estudar Física. O terceiro ano do meu curso aconteceu no Colégio Universitário, um projeto da UFMG onde alunos do último ano do colegial estudavam todas as disciplinas de acordo com a proposta americana de reforma do ensino. Tínhamos um grupo de professores que trabalhavam em conjunto, aulas de exposição, discussão e de laboratório; estas usavam equipamentos construídos em uma oficina dentro do colégio. Para mim, foi realmente um ano muito proveitoso, em que aprendi a estudar e confirmei meu encantamento pela Física.

Mais tarde conheci um pouco da história do projeto de ensino: durante a Guerra Fria, os Estados Unidos estavam perdendo a corrida espacial para a União Soviética. Para resolver a situação, precisavam aumentar o quadro de pesquisadores nas áreas científicas. Por isso, era necessário incentivar os jovens a seguir carreiras científicas.

Na mesma época, um grupo de professores de Berkeley estava insatisfeito com o nível dos estudantes que ingressavam em seus cursos, e pensava em uma forma de modificar o ensino de ciências no curso médio. Juntando os dois interesses, o governo americano investiu numa reforma geral no ensino de Ciências nas escolas: foram produzidos textos, roteiros de laboratório, manuais de utilização para os professores, esquemas para a fabricação de equipamento de laboratório; a reforma contemplava, além da Física, a Química, a Biologia e a Matemática.

No início da implantação, o projeto foi um fracasso: a porcentagem de alunos que escolhiam cursar Física, por exemplo, baixou de 5% para 3%. A causa foi logo detectada: os professores das escolas não sabiam aquela Física! Imediatamente foram criados cursos de capacitação para os professores e a reforma começou a render frutos.

Quando as modificações estavam bem estabelecidas, o material foi traduzido e os cursos foram ofertados a professores da América Latina. O grupo que atuou no Colégio Universitário, em Belo Horizonte, fez uma capacitação no Chile e trouxe o projeto para ser implementado aqui.

A partir dessa época, o ensino de Física no Brasil adotou diversas ideias provenientes do PSSC. Nossa querida professora Beatriz Alvarenga, autora do best-seller entre os livros de Física para ensino médio, foi aluna dileta do prof. Jearl Walker, um dos mentores do PSSC, e na primeira versão de seu livro reconhecíamos claramente a influência do projeto. A exemplo dos americanos, seu livro, que ficou conhecido como ‘o livro da Beatriz’, foi modificado ao longo de mais de 40 anos, para atender às necessidades locais e incluir resultados recentes de pesquisas em Física. Outros professores mais jovens seguiram os passos da grande mestra, produzindo material que atrai os estudantes muito mais do que os antigos livros, cheios de fórmulas e ilustrações carrancudas.

Hoje podemos dizer que a mudança na forma de ensinar Física foi alavancada pela necessidade de desenvolver pesquisa científica. Em particular, eu sou um subproduto da Corrida Espacial!