O Brasil acaba de marcar presença em um dos maiores experimentos científicos do mundo. O São Paulo Research and Analysis Center (SPRACE) anunciou o desenvolvimento do OpenIPMC, primeiro controlador de gerenciamento Intelligent Platform Management Controller (IPMC) totalmente aberto e concebido no País para uso nos experimentos do Large Hadron Collider (LHC), no CERN.
“O sucesso do OpenIPMC nos abrirá portas para projetos de maior responsabilidade na colaboração internacional, elevando o respeito pelo SPRACE e, por extensão, pelos grupos brasileiros que atuam no LHC”, afirma o pesquisador Sérgio Ferraz Novaes, coordenador do SPRACE, em entrevista ao Boletim SBF.
O Brasil tem um histórico importante de participação no LHC. Em 12 de março de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto 11.943 que promulgou o acordo entre a República Federativa do Brasil e a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) com relação à Concessão do Status de Membro Associado da organização europeia, firmado em Genebra, em 3 de março de 2022. O decreto representou uma vitória para a ciência brasileira cujos cientistas poderão participar ativamente de estudos no maior acelerador de partículas do mundo.

“A associação do Brasil ao CERN é um passo histórico para o setor de altas energias, que começa com o físico José Leite Lopes, um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e por César Lattes, que inspirou o sonho de uma geração inteira de físicos de altas energias”, chegou a dizer Sandro Fonseca de Souza, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) no Boletim SBF à época, na comemoração do centenário de Cesar Lattes. Desde a década de 1990, vários cientistas brasileiros têm participação ativa em experimentos do LHC como o Alice, ATLAS e o próprio CMS.
O anúncio do SPRACE está dentro dessa ampla colaboração que se acelerou desde o ano passado, abrindo espaço para que a indústria brasileira possa também se beneficiar do acordo científico. Nesse aspecto, a inovação anunciada pelo SPRACE será incorporada ao Compact Muon Solenoid (CMS), detector de múltiplos propósitos do LHC conhecido por medir com precisão múons, mas que também analisa uma ampla gama de partículas fundamentais e foi central na comprovação experimental do bóson de Higgs, em 2012, a chamada “partícula de Deus”.
O módulo OpenIPMC será integrado às placas de eletrônica de rastreamento (tracker) do CMS, responsáveis por processar dados ópticos em alta velocidade e calibrar sistemas críticos. Ao adotar uma arquitetura aberta, o projeto brasileiro quebra a dependência de soluções proprietárias, até então condicionadas a acordos de confidencialidade. Isso amplia a autonomia científica e acelera o desenvolvimento de sistemas customizados.
Segundo Luigi Calligaris, pesquisador do SPRACE, a abertura do hardware e do firmware permite “acelerar o ciclo de P&D e ampliar a robustez” da instrumentação usada em detectores de partículas, explicou o pesquisador em comunicado da assessoria de imprensa da SPRACE. A iniciativa também gerou impacto industrial: a empresa brasileira Lynx Tecnologia Eletrônica fabricará as 1.100 unidades destinadas ao CMS, com um lote inicial já entregue ao CERN.
“A entrega bem-sucedida das 1.100 unidades solidificará a reputação do Brasil como parceiro confiável em projetos de instrumentação de ponta, criando oportunidades para novos contratos com o CERN, parcerias com outros laboratórios internacionais, reconhecimento da indústria brasileira em mercados globais de alta tecnologia e atração de investimentos em P&D no País. Estamos ajudando a transformar o Brasil de consumidor para fornecedor de tecnologia crítica na fronteira do conhecimento científico”, afirma Novaes.
O alcance da solução vai além da física de partículas. O padrão ATCA, no qual o controlador se insere, também é usado em pesquisas de fusão nuclear, computação quântica e até aplicações aeroespaciais. O OpenIPMC já despertou interesse de universidades e empresas internacionais. Novaes explica que a conquista mostra que a interação entre ciência, indústria e setor público pode posicionar o Brasil na fronteira da inovação tecnológica.
Segundo Novaes, a colaboração entre pesquisadores e a indústria nacional, como a parceria com a Lynx Tecnologia Eletrônica, pode contribuir para consolidar a produção em larga escala dessas placas. “A parceria universidade-empresa sempre foi um desafio no Brasil, apesar de ser essencial para inovação e desenvolvimento tecnológico. Na Lynx encontramos um parceiro ideal: fundada por docentes da Escola Politécnica da USP, a empresa tem perfil acadêmico que facilitou o diálogo e permitiu que reconhecessem o valor estratégico do projeto”, explica o cientista.
“Essa parceria se torna ainda mais relevante após o Brasil se tornar Membro Associado do CERN. Nossa contribuição financeira anual pode retornar integralmente ao País através de contratos obtidos por meio de licitações e prestação de serviços — e o OpenIPMC representa exatamente esse tipo de oportunidade, demonstrando nossa capacidade de fornecer tecnologia de ponta para o laboratório mais avançado do mundo.”
Novaes reforça ainda que além do CMS e do LHC, esse acordo pode impulsionar pesquisas em outras áreas científicas no Brasil. “O OpenIPMC é um exemplo raro de componente compartilhado entre os dois principais detectores do LHC — será usado tanto no CMS quanto no ATLAS, demonstrando sua versatilidade e qualidade. A arquitetura ATCA é utilizada em diversas áreas que exigem alta disponibilidade e grande largura de banda. Desenvolvida inicialmente para telecomunicações e redes ela hoje é utilizada em software-defined networking (SDN), computação quântica, sistemas de aquisição e processamento de dados em experimentos como o ITER de fusão nuclear, nas aplicações de defesa e aeroespacial devido sua robustez para operar continuamente em ambientes críticos, além de controle e monitoramento de processos industriais, em situações de análise de dados em tempo real.”
Colaborou Roger Marzochi