A Revista Brasileira de Ensino de Física (RBEF), publicação da Sociedade Brasileira de Física (SBF), divulgou nesta semana uma edição especial sobre os primórdios das pesquisas e cursos da Mecânica Quântica em países Ibero-Americanos, com artigos científicos sobre a história de personalidades e cursos marcantes. O especial reúne contribuições das sociedades de física da Argentina, Brasil, Cuba, Equador, Espanha, Honduras e Uruguai.

O trabalho é fruto da ação de Rodrigo Capaz, ex-presidente da SBF que, em reunião durante a X Assembleia da Federação Ibero-Americana de Sociedades de Física, realizada nos dias 16 e 17 de setembro do ano passado, sugeriu um esforço concentrado para se buscar um olhar ibero-americano sobre a área para comemorar os 100 anos da Física Quântica em 2025, estipulado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Os cientistas e divulgadores científicos Nelson Studart, da Escola Ilum de Ciência, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), e Ildeu de Castro Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) publicaram nesta edição especial o artigo “A introdução da física moderna e da teoria quântica no Brasil”.

“O ciclo de palestras ministrado por Theodoro Ramos na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em outubro de 1931, constitui um marco histórico na introdução e divulgação da mecânica quântica no Brasil. O conteúdo delas foi publicado no Boletim do Instituto de Engenharia nos números de novembro de 1931, fevereiro de 1932, junho de 1932 e agosto de 1933. Elas foram reproduzidas mais recentemente na Revista Brasileira de Ensino de Física”, afirmam os cientistas no artigo, em sua página sete.

“Foi muito importante a Revista Brasileira de Ensino de Física abrir um número especial sobre o tema. A gente discute muito pouco a ciência na América Latina e a física é uma das áreas que tem mais interações.. Nós temos o Centro Latino-Americano de Física (CLAF), por exemplo, mas deveríamos ter mais integração científica entre nós ibero-americanos”, diz Ildeu ao Boletim SBF.

Ele afirma que Ramos teve um papel central nos primórdios da disciplina no País. “Os artigos dele, resultados de um curso que deu no Rio de Janeiro, são muito bem escritos e didáticos. Até hoje esses textos poderiam ser usados. Ele discute as ideias iniciais da física quântica, aborda a mecânica quântica de Heisenberg e a mecânica ondulatória na versão do Schrödinger”, explica Ildeu. Lembra que Ramos se formou na Escola Politécnica do Rio e, quando veio para São Paulo, foi um dos grandes responsáveis pelos projetos de captação de água  naquela época. “Ele teve um papel importante, na década de 1920, na coordenação do processo de captação de água para São Paulo. E foi o articulador principal da criação da Faculdade de Filosofia, Ciencia e Letras da USP, em 1934.”

A partir de pesquisas na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, em livros e artigos sobre o período estudado, os cientistas também analisam a influência das visitas ao Brasil de cientistas importantes como Albert Einstein, Marie Curie e Enrico Fermi, “que aqui ajudaram a difundir as concepções da nova teoria em ascensão”, explica o resumo do artigo. “Há quem trate isso apenas como um tipo de visita folclórica. Mas penso, e tenho tentado mostrar, que essas visitas tiveram influências significativas  na incipiente comunidade científica brasileira”, afirma Ildeu.

“Einstein falou na Academia Brasileira de Ciências sobre a polêmica acerca da existência (ou não) do fóton, em 1925. Já o Fermi visita o País na década de 1930, realizando palestras em São Paulo e no Rio sobre várias das novas ideias sobre a estrutura da matéria e do núcleo. O Mário Schenberg era aluno de engenharia e assiste às palestras do Fermi. E ele diz que foi lá que ele ouviu pela primeira vez a palavra “neutrino”; ele vai desenvolver depois trabalhos científicos importantes em torno disso. Ou seja, a presença desses personagens aqui, apesar de rápida, foi importante para a comunidade científica local, embora ainda não tivéssemos pesquisas sistemáticas em física ”, explica Ildeu.

A investigação histórica abordada no artigo se encerra em meados dos anos 1930 “quando os primeiros cursos regulares, abordando temas de física quântica, começam a ser dados em São Paulo, na USP, e no Rio de Janeiro, na UDF, e se inicia um novo período na história da física moderna no Brasil.” Para Ildeu, há um gosto de quero mais, pois é importante que sejam aprofundadas  essas investigações históricas, passando pela criação de cursos na Universidade de São Paulo (USP), na Faculdade Nacional de Filosofia no Rio de Janeiro, na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e pelas contribuições dos físicos norte-americanos Richard Feynman e David Bohm (que foi motivo de uma bela biografia escrita por Olival Freire)chegando até a década de 1960.

É preciso fôlego e recursos para continuar em frente na pesquisa histórica e científica, algo que também da Federação Ibero-Americana de Sociedades de Física considera importante no artigo “La FEIASOFI y el Año Internacional de la Ciência y Tecnología Cuánticas”, que abre a edição especial da RBEF. Ao explicar as participações de várias associações da física, o artigo lembra que os artigos debatem “tanto os avanços alcançados quanto os desafios que ainda persistem.”

(Colaborou Roger Marzochi)