Outra importante descoberta foi verificar duas transições de fases fotônicas neste tipo de dispositivo, muito utilizado da medicina à espectroscopia, o que pode aprimorar sua aplicação
Cientistas do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) realizaram uma experiência inédita na qual foi detectado o fenômeno de quebra de simetria de réplicas (RSB, do inglês replica symmetry breaking) em um laser de fibra em regime de travamentos de modos padrão. Os resultados do experimento foram publicados no dia 25 de janeiro de 2024 na revista Physical Review Letters (PRL) no artigo “Observation of Replica Symmetry Breaking in Standard Mode-Locked Fiber Laser”.
“Além de a gente verificar a quebra de simetria num tipo de sistema que tinha previsões teóricas, mas ninguém tinha feito, outra grande novidade foi verificar duas transições de fases fotônicas”, diz o físico Marcio Heraclyto Goncalves de Miranda, professor da UFPE que assina o artigo junto aos cientistas Ernesto P. Raposo e Anderson S. L. Gomes, e dos estudantes de pós-graduação Nicolas P. Alves, Wesley F. Alves, André C. A. Siqueira e Naudson L. L. Matias. O estudo identificou duas transições de fase separando três regimes diferentes: onda contínua (CW, continuous wave), regime de modos quase travados, e modos travados padrão.
Mas o que são “modos travados” de um laser? É uma forma de se referir aos padrões específicos de ondas estacionárias que se formam dentro da cavidade do laser, estrutura interna do dispositivo que permite amplificar a luz de forma coerente e é composta por vários modos longitudinais. Esse sistema é muito usado em espectroscopia, sensoriamento remoto, medicina, comunicações, entre outros, devido sua confiabilidade. Isso porque espera-se que haja uma perfeita coerência de fase. “Você forma pulsos coerentes em fase saindo dessa cavidade, formando o que a gente chama também de pente de frequência”, diz Miranda. “Lasers têm uma dinâmica muito rica. A gente tem outros trabalhos nisso, alguns apresentam rota para o caos, apresentam harmônicos, há vários tipos de dinâmica.”
Essa forma de comportamento da luz têm uma analogia ao comportamento magnético, embora o fóton não seja uma partícula carregada eletricamente e, portanto, não possui spin, que é o momento angular magnético da partícula. O coautor do artigo, Ernesto Raposo, comenta que “réplicas correspondem a configurações de certo sistema (magnético ou fotônico) geradas identicamente. Em sistemas sem qualquer tipo de desordem, réplicas evoluem termodinamicamente sem distinção, configurando o regime de simetria de réplicas”. Os autores do artigo utilizaram um laser de fibra de modos travados dopado com Itérbio, que apresenta um rico sistema dinâmico.
Segundo o pesquisador, a quebra de simetria de réplicas em sistemas magnéticos desordenados (como os vidros de spin) refere-se ao fenômeno em que réplicas inicialmente idênticas podem, em princípio, ser levadas a configurações de spins diferentes entre si. “Por exemplo, após a temperatura ser gradativamente diminuída, ocorre uma transição de fase de um regime paramagnético para uma fase vidro de spin, em que os spins ‘congelam’ ao longo de direções aleatórias. Estes sistemas magnéticos são caracterizados como sistemas complexos. Em 2021 Giorgio Parisi ganhou o prêmio Nobel de Física por ‘descobrir as relações entre desordem a flutuações em sistemas físicos de escalas atômicas até planetárias’.”
Em 2015 dois trabalhos seminais foram realizados em lasers aleatórios, onde os modos ópticos deste laser emulam os spins. “Assim sendo, foi observada a quebra de simetria de réplicas em sistemas ópticos pela primeira vez, pavimentando uma nova área repleta de possibilidades, com analogias diretas entre regimes ópticos e magnéticos”, explica Miranda.
E, no trabalho de janeiro de 2024 publicado pelo grupo da UFPE, foi observada pela primeira vez o fenômeno de quebra de simetria de réplicas em lasers de modos travados. Neste laser, duas transições de fase são observadas: a primeira entre os regimes CW e o de modos quase travados, e outra entre este regime e o de modos travados padrão. Tais regimes fotônicos possuem analogias magnéticas com os regimes paramagnético, vidro de spin e ferromagnético, respectivamente. “Os resultados ampliam o número de sistemas complexos fotônicos, abrindo outras possibilidades de estudos em lasers de modos travados, os quais são ricos em regimes dinâmicos não-lineares”, diz Miranda. Ele explica que esta é uma pesquisa básica, mas que pode promover grandes avanços na utilização de laser nas mais diversas áreas.
(Colaborou Roger Marzochi)