Uma nova pesquisa publicada na Physical Review Letters (PRL) no dia 9 de abril contribuiu para o emergente campo da spintrônica nuclear, unindo dois mundos que até então permaneciam distantes: as excitações coletivas de spin nuclear e os mecanismos eletrônicos de transporte de spin. É o que sugere o estudo Giant Nuclear-Electronic Spin Pumping in the Heisenberg Antiferromagnet RbMnF3 publicado no dia 9 de abril. O estudo tem participação do físico José Diêgo Marques de Lima, do Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e demonstra pela primeira vez um bombeamento de spin nuclear-eletrônico de intensidade gigante em um cristal antiferromagnético do tipo Heisenberg. O trabalho contou com a colaboração dos físicos Daniel Souto Maior, Edycleyson Souza, Danilo Ratkovski e dos professores Fernando Machado, Roberto Rodríguez-Suárez e Sergio Rezende.

O fenômeno foi observado no material RbMnF₃, conhecido por seu comportamento antiferromagnético em temperaturas muito baixas. O efeito é provocado pela aplicação de radiofrequência, que excita simultaneamente os spins nucleares e eletrônicos do sistema. Esse tipo de excitação cruzada era considerado raro e pouco explorado, mas os resultados obtidos mostram que, sob determinadas condições, ela pode produzir sinais de bombeamento de spin quase 100 vezes mais intensos do que os observados anteriormente em materiais como MnCO₃, tradicionalmente usados nesse tipo de investigação.

Segundo o físico de Lima, recém-doutor pela UFPE e primeiro autor do estudo, o spin é uma propriedade quântica fundamental que está presente tanto nos elétrons quanto nos núcleos atômicos. No caso dos elétrons, o spin representa um tipo de momento magnético intrínseco — não é uma rotação real, mas uma característica quântica que os torna semelhantes a minúsculos ímãs. Já o spin nuclear é resultado da soma dos spins dos prótons e nêutrons que compõem o núcleo, também gerando um momento magnético. Esses dois tipos de spin — nuclear e eletrônico — podem interagir por meio do chamado acoplamento hiperfino, criando condições para fenômenos como o bombeamento de spin observado no experimento.

Da esquerda para a direita Edycleyson Souza, Sergio Rezende e José Diêgo M. de Lima.

O material que protagoniza essa descoberta é o trifluoreto de rubídio e manganês (RbMnF₃), um antiferromagneto de Heisenberg caracterizado por uma anisotropia cristalina extremamente baixa. Essa propriedade facilita a magnetização do sistema em qualquer direção, tornando-o ideal para o estudo da interação entre spins nucleares e eletrônicos.

Segundo de Lima, “esse material tem uma anisotropia tão baixa que pode ser considerado como um protótipo de um antiferromagneto de Heisenberg, um sistema no qual apenas as interações de troca entre os spins adjacentes são relevantes.” Essa característica permite que a interação hiperfina – a ligação entre o spin nuclear e o spin eletrônico – seja especialmente intensa.

É justamente essa força de acoplamento que viabilizou a observação do efeito de bombeamento de spin nuclear-eletrônico com intensidade inédita. Em experimentos anteriores, como os realizados com MnCO₃, os sinais elétricos gerados a partir do bombeamento de spin eram da ordem de nanovolts (10⁻⁹ volts). No caso do RbMnF₃, o grupo da UFPE observou sinais de microvolts (10⁻⁶ volts), “duas a três ordens de grandeza maiores”, destaca de Lima, graças à robusta interação hiperfina do novo material.

O experimento foi conduzido inteiramente no Departamento de Física da UFPE, em Recife, utilizando um criostato operando com hélio líquido em ciclo fechado. As medições foram realizadas a temperaturas muito baixas, em torno de 10 kelvin – o equivalente a cerca de -263 °C. “Trabalhamos com hélio líquido, que chega a 4,2 kelvin. Isso está muito próximo do zero absoluto, onde praticamente não há movimento térmico. Congelar os movimentos das partículas permite que esse efeito nuclear fique mais evidente”, explica o pesquisador.

A montagem experimental consistiu em clivar pequenos “tijolinhos” do cristal monocristalino de RbMnF₃, crescido pelo método de Czochralski, e depositar sobre eles um filme de platina com espessura de apenas 5 nanômetros, utilizando a técnica de magnetron sputtering. Essa platina funciona como detector: ao aplicar radiofrequência no cristal — entre 200 e 700 MHz —, os pesquisadores excitaram os spins nucleares, que por sua vez influenciaram os spins eletrônicos, gerando uma corrente de spins eletrônicos. Essa corrente de spin foi então convertida em uma corrente de carga pelo efeito Hall de spin inverso, sendo medida diretamente com um nanovoltímetro. “Foi uma excitação no núcleo que resultou numa corrente de carga convencional. Um efeito mensurável a partir de um fenômeno quântico”, resume Lima.

O fenômeno observado não apenas resgata o interesse científico por ondas de spin nuclear — que tiveram seu auge entre as décadas de 1970 e 1980 — como também o insere em um novo contexto de aplicações emergentes. “Uma aplicação direta seria a geração de corrente de spin para criar dispositivos voltados à informação quântica, como os qubits. Em materiais isolantes como o RbMnF₃, as correntes puras de spin não produzem calor, diferentemente da eletrônica convencional. Isso abre caminho para dispositivos mais eficientes e sustentáveis”, afirma o físico.

Ainda que as temperaturas envolvidas sejam extremamente baixas, como as usadas na computação quântica, o avanço representa um passo promissor rumo a dispositivos spintrônicos que operem com maior eficiência energética. A capacidade de manipular correntes de spin sem transporte de carga elétrica pode mitigar as perdas por efeito Joule, tornando a tecnologia não apenas mais eficaz, mas também ecologicamente mais viável.

Curiosamente, enquanto essas medições delicadas ocorriam em um ambiente rigorosamente controlado, o mesmo laboratório se transformava em set de filmagem para “O Agente Secreto”, novo filme de Kleber Mendonça Filho com atuação do ator Wagner Moura. “Interrompemos as medições por alguns dias para a gravação do filme”, conta de Lima. A coincidência entre uma descoberta de fronteira na física da matéria condensada e o olhar crítico de Mendonça Filho sobre os mecanismos de controle e vigilância na sociedade é apenas isso: uma coincidência. Mas a imagem de um laboratório onde partículas atômicas e câmeras de cinema investigam seus próprios “agentes secretos” não deixa de ser simbólica.

Assim como no curta-metragem Recife Frio, de Kleber Mendonça Filho, em que uma improvável mudança climática atua como metáfora para transformações sociais profundas, a redescoberta das ondas de spin nuclear evidencia um fenômeno sutil, invisível à observação direta, mas fundamental para a compreensão e o desenvolvimento de tecnologias futuras. Tal como o falso documentário que adquire contornos surpreendentemente reais, as medições realizadas em cristais de RbMnF₃ revelam uma ciência que, mesmo em condições extremas de temperatura, permanece ativa e vibrante, rompendo o aparente imobilismo e reabrindo caminhos científicos que pareciam esquecidos.

(Colaborou Roger Marzochi)