Se a mecânica quântica muito depende do “olhar” de um observador, o que suscita profundos debates filosóficos em mais de cem anos, imagine então a arte que, por excelência, é capaz de “incorporar saberes”, na visão da antropóloga Yvonne Daniel (Dancing Wisdon, 2005). O olhar da física hoje ganha ainda mais profundidade simbólica com “Palco das Estrelas”, mural que foi criado pela artista paulista radicada em Campinas Estela Luz na sede da Sociedade Brasileira de Física (SBF), dentro do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP).

“Por que que eu coloquei esse nome, né? Porque eu penso muito nessa questão poética do horizonte como sendo um ‘palco das estrelas’ onde acontecem as coisas, no firmamento. De repente, a gente é como se fosse essa linha imaginária para onde a gente caminha, fantasiosamente como você estivesse sempre em linha reta. Talvez, nesse caminho, um dia você chegaria em você mesmo, se isso fosse possível numa velocidade absurda”, brinca com as palavras a artista, em entrevista por e-mail ao Boletim SBF.

Artista Multidisciplinar, com ênfase em artes visuais, música e poesia, ela é ainda musicista, Bacharel em Música Popular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Desde 2009, ela se dedica também às artes visuais e desde 2017 é mentora de artistas, realizando cursos e oficinas, bem como de acompanhamento artístico e aconselhamento de carreira.

Em 2023, foi a primeira mulher a realizar um mural em prédio de 350 m² em Campinas, no interior de São Paulo. Estela também realizou pintura de murais em outras cidades do interior paulista, em Pernambuco e no Uruguai. Foi palestrante internacional no “I Congreso de Arte Digital” em Montevideo/UY (2023) e foi artista participante do Festival Urbanas no CDHU Padre Anchieta (Campinas). O seu fascínio pelos segredos da física, aliás, levou-a a pintar outro mural, antes de “Palco das Estrelas”, na área de descanso da sede do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), que integra do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas.

Em sua arte figurativa na SBF, Estela fez uma imersão em diversos aspectos filosóficos, criativos e simbólicos da física, trilhando não no estilo, mas num caminho que Salvador Dalí seguiu com suas inspirações na física nuclear no pós-Guerra, em seu Surrealismo mágico, enigmático e desafiador. Objetivamente, a artista se inspira na obra do artista M. C. Escher, informou sua produtora. Há na obra de Estela a representação da icônica imagem do físico austríaco Wolfgang Pauli e do dinamarquês Niels Bohr, dois dos principais nomes da física quântica no século XX.

Ambos estavam profundamente envolvidos nas discussões que moldaram a compreensão moderna da matéria em nível subatômico. Há uma representação que mostra os dois observando um “tippe top”, um tipo especial de peão que, ao girar, inverte-se e continua rodando sobre a cabeça. Esse comportamento contraintuitivo fascina cientistas e leigos, e inspirou a ideia do spin do elétron: uma propriedade intrinsecamente quântica, sem paralelo direto no mundo clássico. No entanto, a imagem de um objeto girando e se invertendo pode ter oferecido uma analogia visual inspiradora. Pauli ainda foi o responsável pela gênese do Princípio Exclusão, que explica o porquê há matéria estável no Universo.

A presença na obra da cor violeta, por exemplo, é reflexo também das inspirações de Estela em visita aos laboratórios, como o laboratório de plasma, e às metáforas do emaranhamento de partículas de luz. “Eu acho muito bonito como os físicos descrevem seus experimentos, as palavras que são usadas, as metáforas como, por exemplo, luz emaranhada. Achei isso tão bonito. Ou, de repente, num outro laboratório de plasma, que aí você vai fazer o processo, você libera a luz violeta, daí por isso eu resolvi trazer essa tonalidade.”

A artista chegou até mesmo a receber uma série de equações do ex-presidente da SBF, Rodrigo Capaz, a fim de inspirar o seu trabalho. “Uma coisa que eu achei interessante também, bonita, que foi no momento que eu, conversando com o professor Rodrigo Capaz, ele me mandou umas dez equações para eu estudar, para eu, sei lá, para eu conhecer. E eu conversei com outro físico amigo meu, que ele falou: olha, me conta como que você visualiza esses fenômenos, o que que é isso?”, lembra a artista. “Eu fui chegando também em outros lugares. Então foi muito rico, foi uma exploração mesmo do tema, foi bem profunda, bem intensa, foram dias de muita imersão mesmo.”

Como afirmou Walter Benjamin em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, uma fotografia pode apagar a “aura” da obra de arte, aquilo que só se revela na presença direta, única e irrepetível. Pois nem as imagens deste texto, nem os vídeos que possam surgir, serão capazes de nos colocar frente a frente com esse mural monumental, que guarda segredos e pistas sobre como ver os desenhos e as cores através do olhar de Estela. Ah, mas isso… só se revela a quem visita a sede da SBF. E, ainda assim, é como a ideia da linha do horizonte que inspirou a artista, porque, como nos lembra Merleau-Ponty, mesmo com todas as dicas, o que você verá será sempre algo único, e jamais visto antes pela sua percepção presencial.

(Colaborou Roger Marzochi)

Crédito de imagens do mural: (Artista: @estelaluz.art; assistência: @afolego; produção: @van_vargas e @bitelliannaju; fotos @vras77 e @bitelliannaju)