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NICOLE REINDL (CC BY 4.0) (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

Artigo publicado por cientistas brasileiros e italianos no The Astrophysical Journal calcula que LSST será capaz de detectar fusões de anãs brancas em uma taxa de até mil por ano.

Se você vir a estrela mais brilhante do céu, saiba que ela esconde uma companheira oculta. A Sirius A, cujo brilho intenso à noite batizou até um dos maiores laboratório de luz síncroton do mundo, localizado em Campinas, tem ao seu lado uma estrela que não é visível a olho nu: a Sirius B. Esta é uma anã branca, pertencente à classe de objetos que representa o estágio final de estrelas com massa próxima à do Sol. Daqui a 5 bilhões de anos, o Sol queimará todo o seu hidrogênio em hélio e se transformará em uma gigante vermelha, até ejetar parte de seu material no espaço, formando uma nebulosa. O que sobrar desse processo será uma anã branca, com brilho fraco, pois não há mais reações nucleares.

Essas estrelas são extremamente densas pois têm massa parecida com a do Sol compactada em um raio de cerca de 10 a 20 mil km. Elas têm baixo campo magnético e rotação lenta, girando com períodos de horas a dias. Praticamente impossíveis de serem vistas a olho nu, sendo que o mais próximo que é possível chegar é olhando para a Sírius A, com a evolução da tecnologia de observação do céu mais estrelas dessa classe foram identificadas. E de tal forma que, mais recentemente, uma nova classe de anãs brancas foi descoberta, pois rotacionam em altas velocidades, são mais massivas e possuem intensos campos magnéticos, mas não chegam a ser classificadas como estrelas de nêutrons (objetos ainda mais compactos), o que tem intrigado os cientistas, como conta o astrofísico Manuel Malheiro, professor do Departamento de Física do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em texto publicado pela SBF em agosto.

Essa nova classe de anãs brancas pode ser resultado da fusão de sistemas binários e cuja história poderá ser desvendada a partir de 2024, segundo um estudo publicado em novembro por cientistas brasileiros em parceria com italianos no periódico The Astrophysical Journal. O trabalho “On the Optical Transients from Double White-dwarf Mergers” concluiu que o Observatório Vera Rubin, ou Large Synoptic Survey Telescope (LSST), que deverá entrar em operação no próximo ano, será capaz de captar a fusão de sistemas binários de anãs brancas a uma taxa de até mil por ano contra apenas duas detecções possíveis por instrumentos usados atualmente, como o Zwicky Transient Facility (ZTF), localizado na Califórnia (EUA).

“Embora se estime que sejam muito abundantes, estas fusões que formam uma anã branca massiva com uma fonte transiente associada menos luminosa que uma supernova e com uma evolução mais rápida escaparam a qualquer observação pelos telescópios atuais, pois não são suficientemente sensíveis. O impacto dessa descoberta do nosso estudo é mostrar para o LSST que ele poderá observar uma classe de objetos que eles não esperavam detectar. Isso nos ajudará a compreender a origem das anãs brancas magnéticas, massivas e rápidas, além de ampliar a compreensão sobre o processo de formação de estrelas de nêutrons e supernovas Tipo Ia”, comemora Jaziel Goulart Coelho, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) que assina o artigo com os cientistas Manoel Felipe Sousa (Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR), José Carlos de Araujo (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe), Jorge Armando Rueda Hernandez (ICRANet) e Cristiano Guidorzi  da Universidade de Ferrara (Itália).

“Não sabemos qual é a origem dessas anãs brancas massivas e rápidas. Assim, se as observações correspoderem às previsões do nosso modelo, saberemos  que elas são provenientes de fusões. Ou seja, isso confirmará as fusões de anãs brancas duplas como o canal de formação de anãs brancas massivas e de rotação rápida. Além disso, conseguiremos restringir a fração de fusão que produzem uma supernova Ia ou que dão origem a uma estrela de nêutrons”, diz Felipe Sousa, pós-doutor do Programa de Pós-Graduação em Física e Astronomia (PPGFA) da UTFPR e bolsista do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Fenômenos Extremos do Universo incentivado pela Fundação Araucária.

Segundo ele, há diversos caminhos em que duas anãs brancas podem realizar sua dança rumo à fusão estelar. O fato é que, com o processo de união concluído, parte do material das estrelas é ejetado no espaço em uma nuvem, que passa por um processo de resfriamento, período no qual é gerado uma luminosidade crescente cujo pico pode ser até 100 milhões de vezes maior que a do Sol. Isso acontece, no entanto, num curto tempo de até 10 dias, momento chamado pelos cientistas de “transiente ótico”.

A partir da modelagem desse processo que ocorre após a fusão das anãs brancas, no qual o material é ejetado, os cientistas calcularam dados de tempo, intensidade e frequência das emissões eletromagnéticas, que podem variar do ultravioleta até o infravermelho, para avaliar que telescópio poderia captar esses sinais plenamente. “O resultado mais entusiasmante da investigação é que, ao reunir a população esperada destas fusões e as suas características de emissão, estimamos que o LSST, equipado com instrumentação de ponta e um amplo campo de visão, está pronto para descobrir estas fusões em grande abundância”, diz Coelho.

Embora tenha sido projetado também para investigar a matéria e energia escuras, sendo inclusive batizado em homenagem à astrônoma norte-americana Vera Florence Cooper Rubin (1928-2016), responsável por inúmeras contribuições em relação à matéria escura no Universo, o LSST terá ainda mais essa possibilidade de ampliar os horizontes da ciência. “A observação destas fusões estelares permitirá uma compreensão sem precedentes sobre o seu nascimento e evolução. Tais observações terão um impacto profundo no nosso conhecimento dos fenômenos astrofísicos que ligam as anãs brancas massivas à formação de estrelas de nêutrons. Elas também fornecerão informações cruciais sobre a possível geração de supernovas do Tipo Ia a partir de fusões binárias de anãs brancas. Aos vários tipos de fontes transientes que o Vera Rubin se prepara para descobrir em abundância, acrescentamos a fusão de sistemas binários de anãs brancas, cujas observações oferecerão uma contribuição revolucionária para o conhecimento da vida e evolução deste tipo de estrelas, incluindo a gênese do campo magnético ultraintenso”, conclui Coelho.

(Colaborou Roger Marzochi)