O que física e filosofia têm em comum? Além do fato de a gênese da busca em se explicar os fenômenos físicos para além da ação dos deuses, como buscaram os filósofos pré-socráticos na Grécia Antiga, a física moderna se obteve sucesso no desenvolvimento da mecânica quântica entre o fim do século 19 e início do século 20 com ajuda da filosofia. Quem afirma é o físico e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Sandro Fonseca de Souza que, junto a Marcia Begalli, ambos do Departamento de Física Nuclear e Altas Energias (DFNAE), Antonio Augusto Passos Videira, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição e Vinicius Carvalho da Silva, professor da Faculdade de Ciências Humanas (Fach) da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) escreveram o livro “Filosofia da Física: problemas de ontologia e epistemologia da Física Moderna”.
A obra, que nasceu das aulas desses mestres e outros colaboradores durante o período mais difícil da pandemia de Covid-19, começou sem recursos financeiros e, uma vez editada pela Livraria da Física, com apoio financeiro para impressão do livro através do Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFIL) da UERJ, entrou para a disputa do Jabuti Acadêmico de 2025. O que, para a surpresa dos autores, conquistou o posto de finalista ao prêmio, que recebeu neste ano 2.004 inscrições. O vencedor será conhecido no dia 5 de agosto, em cerimônia para convidados no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.

“Desde os pré-socráticos, onde concepção da palavra física, quer dizer, como ciência, ainda não existia, a filosofia tem sido muito importante. A física moderna, entre os séculos 19 e 20, só foi possível devido ao impacto disso. Alguns físicos-filósofos, vamos dizer assim, como o Einstein, Bohr, Heisenberg, Schrödinger, Pauli, Planck também, não posso esquecer, essa geração de físicos- filósofos, que tinham um conhecimento sólido tanto de física quanto de filosofia, puderam perceber a importância da influência da filosofia nos fundamentos da física moderna”, afirma Souza, em entrevista ao Boletim SBF.
“Alguns físicos não concordam com isso, como Stephen Hawking não concordava, entre outros. Hawking chegou a dizer que a filosofia estava a morta”, diz o professor. O cientista inglês fez essas declarações no livro The Grand Design (Hawking e Leonard Mlodinow, 2010), alegando que a filosofia não acompanhou os avanços da física moderna. Ele ainda reforçou essa ideia no evento Google Zeitgeist em 2011, afirmando que “os cientistas se tornaram os portadores da tocha da descoberta”, o que provocou críticas de filósofos como Graham Harman, que defenderam a importância contínua da filosofia no pensamento científico.

Criando pontes
Para Souza, a ideia não é com isso alimentar extremismos, uma vez que vivemos numa era de opiniões afiadas que mais ferem do que costuram caminhos. Mas sim, abrir um diálogo, convidar as pessoas a debater sobre o assunto. A obra traz também um artigo de Carlo Rovelli, um físico teórico e filósofo da ciência italiano reconhecido por suas contribuições à gravidade quântica em laços, uma das principais tentativas de unificar a mecânica quântica com a relatividade geral, que é também um filósofo da ciência.
“No momento em que a ciência vive como vive hoje, agora em que vocês estão, o diálogo é importante. Tentamos, com isso, trazer esse diálogo dentro da nossa realidade fomos laureados pelo prêmio para a próxima fase, como um dos finalistas no eixo: Ciência e Cultura, na categoria Filosofia, que o livro seja um divisor de águas e ajude outros nessa linha de pensamento, frente à importância dos desafios que se colocam.”
Colisor de partículas e o ourobouro
Souza é também colaborador do experimento CMS no Large Hadron Collider (LHC) desde 2007, compartilhando na entrevista detalhes do trabalho do grupo brasileiro no maior laboratório de física de partículas do mundo. “O experimento CMS é de propósito geral: investiga tanto o Modelo Padrão das partículas fundamentais quanto a física além dele”, explica.
O grupo da UERJ, segundo ele, é um dos maiores da América Latina atuando nesse experimento. Eles participam ativamente da fase de melhoramento dos sistemas detectores, com foco nos detectores de múons, especialmente os baseados em câmaras de placas resistivas a gás. “Tem mais de mil detectores como esse instalados no experimento”, afirma, destacando que o grupo atua tanto nas atualizações quanto na preparação da próxima fase operacional do LHC, prevista para começar em 2029, chamada de fase de altíssima luminosidade.
Souza também falou sobre as iniciativas em pesquisa e desenvolvimento de detectores no Brasil. “Temos trabalhado para melhorar a infraestrutura do Laboratório de Física Nuclear e Partículas (LFNP) da UERJ focado em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em detetores gasosos do tipo de câmaras de placas-resistivas (RPCs), em colaboração com o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)”, diz. Segundo ele, esses detectores têm aplicações que vão além da física fundamental, podendo ser usados em medicina, controle de fronteiras, arqueologia e estudos geológicos. “Você pode tirar imagens do que há dentro de um contêiner ou até de navios sem precisar abri-los”, exemplifica.
Sobre o futuro, Souza comentou os preparativos para o Future Circular Collider (FCC), o sucessor do LHC. Embora a construção ainda esteja distante, o físico ressalta a importância da preparação: “na minha modesta visão, a hora de nos envolvermos é agora, desenvolvendo tecnologias e também capacitando a indústria local.”
Ele lembra ainda que o Brasil é atualmente membro associado do CERN, e essa posição estratégica pode ampliar a presença nacional em grandes colaborações científicas. “Estamos envolvidos com a física básica: decaimentos de partículas raras, supersimetria, estudos do bóson de Higgs… Mas também queremos impulsionar as próximas gerações com conhecimento que impacte nossa sociedade e nossa indústria”, afirma, mostrando uma visão clara de que os desafios da ciência fundamental se entrelaçam com aplicações tecnológicas que podem fortalecer a soberania científica e industrial do país.
O avanço da ciência fundamental, que pode impulsionar não apenas novas descobertas, mas a produção industrial, ganharia um importante aliado se arte e filosofia pudessem caminhar juntas com a física, em inspirações mútuas. O que seria de Friedrich August Kekulé von Stradonitz se não fosse o mundo onírico e criativo a lhe intuir a estrutura em anel do benzeno, inspirada por um sonho no qual viu uma cobra mordendo a própria cauda, formando um círculo, numa imagem associada ao símbolo antigo do ouroboros? Nem sempre há na matemática a resposta, pois esse insight teria sido decisivo para a concepção da estrutura cíclica do benzeno. “É um desafio que se coloca para todo cientista que tenta trabalhar na fronteira do conhecimento.”
(Colaborou Roger Marzochi)