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Ilustração da estrela HD 45166 que possue um poderoso campo magnético Crédito ESOL Calçada

Dados obtidos no Observatório Pico dos Dias, no Sul de Minas Gerais, contribuíram para uma pesquisa internacional com o uso de outros observatórios e equipamentos que poderá ampliar o entendimento sobre esses raros corpos celestes que possuem campos magnéticos descomunais

Pela primeira vez na história da astronomia, um grupo de cientistas do Brasil, Holanda, Bélgica, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Israel e Estados Unidos conseguiu identificar uma estrela com grande probabilidade de se transformar em um magnetar em “pouco tempo”, o que na escala do Universo pode significar alguns milhões de anos. O corpo celeste em questão é o HD 45166, um sistema binário com uma estrela tipo qWR (quasi–Wolf-Rayet), a grande candidata a magnetar, que tem como companhia uma estrela de tipo espectral B em sua fase adulta, localizada a uma distância de 3,2 mil anos-luz da Terra.

O feito é grandioso porque a ciência identificou até hoje apenas cerca de 30 desses corpos celestes, os quais possuem um campo magnético da ordem de trilhões de gauss. Isso é algo assustador, especialmente quando se compara com o campo magnético da Terra, que não chega a 1 gauss. Agora, com a metodologia criada por esses cientistas, que desvendou um elo perdido na evolução estelar, a busca por novas estrelas candidatas a passarem por essa transformação poderá ganhar um novo impulso.

Os dados do estudo foram publicados em agosto na revista científica Science no artigo “A massive helium star with a sufficiently strong magnetic field to form a magnetar”. O primeiro autor do artigo é o cientista Tomer Shenar, do Instituto de Astronomia Anton Pannekoek, da Universidade de Amsterdã, na Holanda. O artigo tem uma importante contribuição do pesquisador brasileiro da Universidade do Vale do Paraíba (Univap) Alexandre Soares de Oliveira, entre outros colaboradores cujos nomes podem ser conferidos no artigo.

Durante os primeiros anos da pandemia de Covid-19, Shenar entrou em contato com Oliveira mostrando grande interesse nos estudos que o brasileiro iniciou em 1998, no telescópio de 1,60 metros de diâmetro do Observatório Pico dos Dias, sobre a HD 45166, durante o seu estudo de doutoramento em astronomia na Universidade de São Paulo (USP). “É muito importante mostrar aos cientistas brasileiros que um artigo de grande impacto fez uso de dados coletados em um telescópio modesto, no Sul de Minas Gerais”, diz Oliveira, lembrando que o Observatório Pico dos Dias é extremamente importante no processo de formação de jovens astrônomos.

Oliveira estudou a HD 45166, entre outras estrelas à época, até 2004 em Minas Gerais e em 2002 no Observatório de La Silla, no Chile. Segundo ele, há cem anos essa estrela tem sido estudada, e durante o período de seu doutorado, já se suspeitava que ela formava um sistema binário, o que foi confirmado pelos seus estudos. Naquela época, os dados mostravam que o período orbital entre as estrelas era de 1,6 dias. 

O tempo passou, novos estudos surgiram, mas as observações feitas no fim do século passado pelo pesquisador inspiraram Shenar, que, além do uso de dados de espectroscopia, nos quais as frequências da luz são identificadas, também usou um instrumento de polarimetria, capaz de identificar a polarização da luz, uma das principais formas de se identificar campos magnéticos.

Ambos começaram a unir os seus dados e, com a participação de outros pesquisadores, descobriu-se que a estrela principal tipo qWR já possui um campo magnético de 43 mil gauss e que está no fim de sua vida. Além disso, descobriu-se que o período orbital desse sistema binário é de 22,5 anos, mas os dados mostraram que 1,6 dias encontrado por Oliveira no início dos anos 2000 se referia ao período de pulsação da estrela azul. O que realmente intrigou os cientistas foi o campo magnético. E, para entender isso, é preciso lembrar como é o fim da vida das estrelas.

Estrelas como o Sol, ou com até oito massas solares, queimam todo o hidrogênio do seu núcleo em hélio, transforma-se em gigantes vermelhas e ejetam parte do seu material no espaço, restando apenas um núcleo quente. No caso do Sol, toda sua massa será comprimida numa esfera com diâmetro parecido com o da Terra e ela se transformará em uma anã branca, abundantes no Universo e que têm também lá os seus mistérios, como mostrou o Boletim da SBF em novembro.

Mas quando a estrela tem mais do que oito massas solares, ela explode em uma supernova, um dos eventos mais brilhantes do Universo, restando ou um buraco negro, quando a massa é mais extrema, ou estrelas de nêutrons, com cerca de 2 massas solares comprimidas numa esfera de apenas 20 quilômetros de diâmetro. As estrelas de nêutrons também existem aos milhares. Mas, como a estrela principal do sistema HD 45166 já é altamente magnética, os cientistas calcularam que ao se transformar em estrela de nêutron sua área será extremamente reduzida e o campo magnético será potencializado, podendo chegar a 100 trilhões de gauss. “A redução da área provoca um adensamento das linhas de campo magnético. O fluxo magnético se conserva nesse processo e há um aumento do campo magnético com o colapso da estrela”, explica Oliveira.

Além da importância em se encontrar esse elo perdido entre o fim de uma estrela massiva e a geração de um magnetar, Oliveira ressalta sobre a importância do sistema de observação do céu no Brasil. Além do Observatório Pico dos Dias, o Brasil tem avançado significativamente em equipamentos, com a sua participação nos projetos Gemini e SOAR. E vai se ampliar, com base no investimento de US$ 45 milhões da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) no Telescópio Gigante de Magalhães (GMT), que deve ser entregue em 2029 no Chile em um consórcio com institutos de pesquisa dos Estados Unidos. Esse gigante terá um telescópio de 25,4 metros de diâmetro, que poderá contribuir com novas descobertas. “Se um telescópio de 1,60 metros participou de um projeto importante, imagine o que a ciência brasileira poderá fazer no futuro”, conclui Oliveira.

(Colaborou Roger Marzochi)