Não adianta fazer paródia da canção de protesto “Televisão”, dos Titãs: a inteligência artificial (IA) será capaz de produzir artigos de revisão científica, aqueles nos quais é feita uma revisão bibliográfica acrescida de uma análise do especialista, com qualidade maior que aqueles feitos por humanos, provocando uma revolução ainda maior do que já estamos experimentando com essas novas ferramentas. Osvaldo Novais de Oliveira Junior, professor do Instituto de Física de São Carlos e um dos criadores do Núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional (NILC), defende essa visão não sem antes oferecer claras provas científicas do que essas máquinas já são capazes de fazer.
Sua convicção vem não apenas de sua ampla experiência na área, mas também do artigo “AI-Assisted Tools for Scientific Review Writing: Opportunities and Cautions”, publicado no dia 13 de agosto de 2025 no periódico científico ACS Applied Materials & Interfaces em parceria com outros cientistas do Instituto de Física de São Carlos e do Instituto de Matemática e Ciência da Computação, também da USP. Com poder computacional relativamente pequeno comparado aos grandes computadores existentes hoje, o grupo produziu um artigo de revisão científica usando ferramentas de IA sobre filmes de Langmuir e Langmuir–Blodgett, nanocamadas formadas por moléculas que se organizam na interface ar–água e que podem ser transferidas para superfícies sólidas, usadas em sensores e dispositivos ópticos. Além disso, especialistas nessa área foram chamados para validar a qualidade do texto final.
“O nosso objetivo principal foi demonstrar que a IA nos deixa próximos de um novo paradigma de geração de conhecimento”, afirma. “A resposta dos especialistas foi unânime: a versão gerada pela máquina era um bom começo para um artigo de revisão. Nós perguntamos aos especialistas inclusive se eles achavam que aquela versão gerada automaticamente tinha a mesma qualidade ou inferior ou superior ao que eles esperavam de um pós-doutorado ou de um aluno de doutorado. E, de novo, a maioria dos especialistas disse que a versão gerada pela máquina era superior àquela que eles esperariam de um aluno de doutorado ou pós-doutorando. Então, o que ficou claro é que a versão gerada pela máquina é um ótimo ponto de partida.”
Oliveira Junior explica que a versão que eles obtiveram não chega a ter alta qualidade, capaz de passar pela revisão em periódicos científicos. Isso porque, ele avalia, o poder computacional utilizado não chega à capacidade de máquinas de grandes companhias. Mas, para ele, após esse artigo do qual participou na ACS Applied Materials & Interfaces, qualquer editora científica já pode usar as ferramentas existentes para produzir saber sem o homo sapiens, “o homem que sabe”.
“Um humano, quando faz um artigo de revisão, lê dezenas, centenas de artigos, no máximo. A máquina pode processar milhares de artigos, dezenas de milhares de artigos num determinado tópico e fazer um trabalho de compilação das informações mais relevantes, de análise, de uma maneira que é impossível o humano fazer”, afirma. “Pela primeira vez na história, nós vamos poder substituir os humanos em tarefas intelectuais sofisticadas. E isso pode gerar um desemprego em curto prazo relativamente grande. Isso, obviamente, traz consequências sociais ruins.”
Ele afirma que “teremos que mudar completamente a maneira como a gente faz ciência, porque as máquinas vão poder gerar texto científico”. “E, provavelmente, a uma velocidade, e gerando tanto material que terá que ser para outras máquinas lerem. A minha visão de futuro é que, provavelmente, nós teremos um mundo em que as máquinas geram artigos científicos para outras máquinas lerem. O papel do cientista vai ser muito alterado, portanto. Será um papel de decisão das agendas de pesquisa ou na análise do que as máquinas oferecem, na conexão daquilo que a gente precisa de conhecimento para resolver os problemas da sociedade.”
Qual será o papel do cientista?
A IA vai nos deixar “burro, muito burro demais”, como sugeria os Titãs ao se referirem à televisão? Assista à entrevista na íntegra no canal da SBF no YouTube:
(Colaborou Roger Marzochi)