Colegas de São Paulo e do Rio Grande do Sul propuseram um uso inédito para o maior acelerador de partículas do mundo, o Large Hadron Collider (LHC), na fronteira entre a Suíça e a França. A equipe sugere explorar o LHC como um colisor entre partículas escuras e fótons, uma possibilidade que até agora não havia sido considerada.

O estudo “LHC as an Axion-Photon Collider”, publicado em 30 de outubro na revista Physical Review Letters (PRL), traz a assinatura dos cientistas Sylvain Fichet, Sergio Barbosa e Matheus Coelho da Universidade Federal do ABC (UFABC), e Gustavo Gil da Silveira e Magno Machado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A equipe propõe enxergar o LHC sob uma nova lente: não apenas como um colisor de prótons ou íons pesados, mas como um colisor de partículas de luz, os fótons, e partículas hipotéticas conhecidas como áxions.

O trabalho parte da seguinte hipótese: se existirem partículas semelhantes ao áxion, chamadas ALPs (axion-like particles), os feixes de partículas acelerados no LHC poderiam emitir fluxos delas, da mesma forma que emitem fluxos de fótons. Apesar dos fluxos serem quase imperceptíveis, o cruzamento dos feixes gera um pulso rápido, no qual fótons e ALPs podem colidir.

Colisões entre luz e áxions

Partindo disso, os pesquisadores desenvolveram ferramentas de simulação que inserem essas partículas hipotéticas nos modelos do LHC. Com isso, perceberam que as colisões entre ALPs e fótons seriam mais prováveis quando um feixe de prótons colide com outro de íons pesados em um tipo de evento chamado colisão ultraperiférica.

A pesquisa mostra que os fluxos de ALPs originados de íons pesados são mais fracos do que os produzidos por prótons, o que faz das colisões próton-íon (pA) o cenário ideal para investigar o fenômeno.

Nessas colisões, os feixes de prótons e íons acelerados a velocidades próximas à da luz não chegam a se tocar. Em vez disso, os fluxos de fótons e de ALPs gerados colidem e interagem. Desses eventos, outras partículas podem surgir e serem detectadas, como quarks pesados, fornecendo evidências para novas interações até então nunca observadas.

Os autores também sugerem que os dados coletados em 2016 pelos experimentos CMS, ATLAS e LHCb, que registraram colisões entre prótons e chumbo (pPb), podem conter pistas já arquivadas deste tipo de evento. Isso significa que sinais de novas e misteriosas partículas escuras talvez já estejam registrados, prontos para serem identificados por quem souber procurá-los. O alvo principal dessas buscas é o quark top, o mais pesado dos quarks conhecidos, que poderia ser uma porta de entrada para novas forças da natureza.

Luz sobre o invisível

Metaforicamente, o que os físicos da UFABC e da UFRGS propõem é usar a luz não apenas para iluminar, mas para interagir com o invisível. Em vez de esperar que partículas escuras sejam produzidas em colisões violentas, a ideia é detectar seus rastros quando interagem com as partículas de luz. Não se trata de um espetáculo explosivo, mas de uma busca por sinais discretos em meio ao ruído, como tentar identificar uma nota escondida em uma orquestra em seu clímax. Uma única nota sutil que, se ouvida, pode revelar pistas sobre um dos mistérios do universo.