O físico Amir Caldeira. (Foto: Jornal da Unicamp)

Assim como na vida, na ciência nada se faz sozinho ou de forma isolada. Por isso, o anúncio do Prêmio do Nobel de Física é reflexo de um esforço imenso de pesquisa que envolve gerações de cientistas em todo o mundo. E no anúncio dos laureados de 2025 nesta terça-feira, dia 7 de outubro, o físico brasileiro Amir Caldeira, professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recebeu uma justa homenagem.

Em parceria com o físico britânico Anthony J. Leggett, Caldeira foi citado para contextualizar e fundamentar as descobertas dos laureados Michel H. Devoret (Yale University e UC Santa Barbara), John M. Martinis (UC Santa Barbara) e John Clarke (UC Berkeley), premiados por “descobrirem o tunelamento quântico macroscópico e a quantização de energia em um circuito elétrico”.

O reconhecimento de Caldeira, que foi vencedor em 2022 do Prêmio Joaquim da Costa Ribeiro, da Sociedade Brasileira de Física (SBF), é um grande incentivo à ciência brasileira: o trabalho desenvolvido por ele e o cientista britânico foi pioneiro ao prever teoricamente que efeitos quânticos podem se manifestar em sistemas de dimensões macroscópicas, como um circuito elétrico supercondutor. Essa constatação abriu caminho para o desenvolvimento dos qubits supercondutores, elementos essenciais para a construção de computadores quânticos.

“A nossa contribuição foi realmente fundamental para o trabalho que foi agraciado com o Nobel desse ano. Então, realmente, é um motivo de muito orgulho e muita alegria, claro”, explica o físico, em entrevista ao Boletim SBF. “Se eu disser que nós fizemos tudo isso com o intuito de desenvolver a computação quântica, eu vou estar mentindo. Não foi. Eu estava fazendo um doutorado e nós acabamos nos deparando com problema original e extremamente interessante”, explica o professor, que em entrevista, defendeu a ciência básica.

O Nobel e o destaque brasileiro repercutiram no meio científico. O físico João Paulo Sinnecker, vice-diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), também comemorou o resultado do Nobel de Física, explicando que o Laboratório de Tecnologias Quânticas, o QuantumTec, recém inaugurado no térreo da instituição e que fabrica os chips quânticos, existe por conta desses pesquisadores. “CBPF, MCTI e FINEP na fronteira do conhecimento!”, diz Sinnecker, em mensagem de whatsapp ao Boletim SBF.

O editor-chefe do Brazilian Journal of Physics (BJP), Alberto Saa, informou ainda que o periódico científico da SBF publicará uma edição especial “com contribuições sobre os profundos desdobramentos do trabalho de Amir Caldeira, inclusive o Prêmio Nobel”. A publicação deverá ser lançada no primeiro semestre do ano que vem.

Para comemorar os 45 anos do modelo Caldeira-Leggett e a longa carreira científica de Caldeira, será organizada uma conferência na Casa do Professor Visitante (CPV), um hotel localizado na Universidade de Campinas (Unicamp), e no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), ambos em Campinas, entre os dias 13 a 15 de outubro. Além de Leggett e Caldeira, estarão presentes mais 24 pesquisadores do Brasil e do exterior que atuam em diversas áreas fortemente influenciadas pelo modelo Caldeira-Leggett, como fundamentos da mecânica quântica, sistemas quânticos abertos, informação quântica, materiais quânticos, ótica quântica e biologia quântica. Mais informações, clique AQUI.

Reconhecimento Internacional

No relatório publicado pela Academia Sueca na terça-feira (07/10), intitulado “For the discovery of macroscopic quantum mechanical tunnelling and energy quantisation in an electric circuit”, no parágrafo “Towards MQT in superconducting circuits”, o nome de Amir Caldeira aparece diretamente associado às investigações teóricas conduzidas com Leggett no final da década de 1970, que ajudaram a explicar como sistemas macroscópicos podem manter propriedades quânticas mesmo quando interagem com o ambiente.

“Junto com seu aluno de doutorado Amir Caldeira, Leggett investigou como as taxas de tunelamento seriam afetadas por um acoplamento residual fraco a um ambiente dissipativo”, descreve o trecho do documento. Essa contribuição foi decisiva para compreender como a dissipação (o processo de perda de energia para o meio externo) interfere no comportamento quântico de sistemas reais, um desafio central para a engenharia de dispositivos quânticos estáveis.

No universo microscópico, energia e informação se comportam de formas que desafiam a lógica cotidiana. Um dos fenômenos mais intrigantes é a dissipação quântica, processo pelo qual a energia de um sistema quântico se espalha para o ambiente. Assim como o som de um sino se enfraquece ao vibrar no ar, elétrons, átomos e circuitos supercondutores perdem energia ao interagir com o que os cerca, como luz, calor ou vibrações. Essa perda altera o comportamento quântico, tornando o sistema mais próximo do mundo clássico.

Foi justamente essa transição que o físico brasileiro Amir Caldeira, ao lado do britânico Anthony Leggett, buscou compreender no início dos anos 1980. Juntos, criaram um modelo matemático pioneiro, hoje conhecido como modelo Caldeira–Leggett, que descreve a relação entre um sistema quântico e seu “banho” de osciladores, uma espécie de oceano de vibrações que representa o ambiente. Essa teoria revelou como a dissipação influencia o chamado tunelamento quântico, processo em que partículas atravessam barreiras aparentemente intransponíveis.

A partir dessa base teórica surge o conceito de decoerência quântica, fenômeno em que um sistema deixa de exibir as superposições típicas da mecânica quântica e passa a se comportar como algo clássico. Compreender e controlar a dissipação e a decoerência tornou-se um dos grandes desafios da computação quântica moderna. Cada qubit precisa manter sua coerência por tempo suficiente para realizar cálculos complexos, e qualquer ruído pode inviabilizar o processo. As ideias desenvolvidas por Caldeira e Leggett há mais de quarenta anos permitem prever e minimizar a perda de coerência em dispositivos quânticos, formando a base teórica sobre a qual se ergue a tecnologia que hoje redefine os limites da informação.

Amir Caldeira formou-se em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde também concluiu o mestrado, e obteve o doutorado na University of Sussex, no Reino Unido, sob orientação de Anthony Leggett, que receberia o Prêmio Nobel de Física em 2003. Atualmente, é professor titular da Unicamp, membro da Academia Brasileira de Ciências desde 2000 e Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico. Sua trajetória é marcada por pesquisas em física teórica da matéria condensada, com foco em dissipação quântica, efeitos quânticos macroscópicos e sistemas eletrônicos de baixa dimensionalidade. O físico é ainda autor do livro “An introduction to macroscopic quantum phenomena and quantum dissipation” (1. ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2014. v. 1. 283p).

Durante o doutorado, Caldeira e Leggett publicaram uma série de artigos que se tornaram referência mundial. Em 1981, apresentaram o artigo científico na Physical Review Letters Número 46 chamado “Influence of Dissipation on Quantum Tunneling in Macroscopic Systems, (Phys. Rev. Lett. 46, 211 – 1981) no qual apresentaram o modelo hoje conhecido como “Caldeira–Leggett Model”, um dos pilares teóricos da mecânica quântica aberta, ramo que estuda como sistemas quânticos interagem com o ambiente. O modelo descreve matematicamente a perda de coerência quântica e seus efeitos sobre o tunelamento macroscópico, estabelecendo uma base conceitual essencial para os experimentos que décadas depois levariam ao Nobel de 2025.

Mais de quarenta anos depois, Devoret, Martinis e Clarke transformaram o chip quântico em realidade experimental. Em seus laboratórios, criaram circuitos supercondutores compostos por junções Josephson (elementos capazes de conduzir corrente elétrica sem resistência) e demonstraram que essas estruturas exibem níveis de energia quantizados e tunelamento quântico em escala macroscópica. Esses experimentos provaram que o mundo quântico e o clássico podem coexistir no mesmo dispositivo, o que abriu caminho para a atual revolução da computação quântica. “Eu volto a dizer, olha, não se esqueçam de aprender as coisas conceitualmente, o que elas querem dizer de fato, porque em tudo isso que a gente está vendo tem muita ciência fundamental”, alertou Caldeira, ao fim da entrevista, explicando que o cientista nem sempre precisa atuar de forma a colocar um produto na prateleira, em defesa da ciência básica. “Os cientistas gostam muito de usar a curiosidade. Olha, sinto muito dizer que é chavão, mas é verdade. É curiosidade, é entender como a natureza funciona para você utilizá-la.”

Assista à entrevista com Amir Caldeira no Canal do YouTube da SBF

Colaborou Roger Marzochi