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Experimento Muon G-2 nos EUA - Crédito Reidar Hahan - Fermilab

A nova abordagem colabora para a compreensão da contribuição da interação forte entre glúons e quarks e pode até ajudar na descoberta de partículas até hoje desconhecidas

O físico Diogo Boito, professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), participou de uma pesquisa teórica que aprimora o estudo do momento magnético do múon, em particular da contribuição devida aos quarks – que formam prótons e neutros – e glúons, que interagem pela força forte. O estudo “Data-Driven Determination of the Light-Quark Connected Component of the Intermediate-Window Contribution to the Muon” foi publicado em 21 de dezembro de 2023 na revista Physical Review Letters (PRL).

Múons são partículas fascinantes semelhantes aos elétrons, porém com uma massa muito maior, não estão associadas a um núcleo e têm uma vida útil de milissegundos. Essas partículas são geradas, principalmente, quando ocorre choque entre partículas, e a energia resultante desses eventos pode produzir pares de múons e antimúons, essencialmente “do nada”.

Os raios cósmicos, por exemplo, são constituídos por partículas, como prótons, ejetadas a anos-luz de distância de galáxias com núcleos ativos e alcançam a Terra em velocidades altíssimas. Quando essas partículas colidem com o oxigênio e o nitrogênio em nossa atmosfera, geram-se múons. Outra forma de obter múons é através da colisão controlada de prótons em laboratório, como faz o Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), nos Estados Unidos, que possui um experimento com um anel onde é possível confinar múons no vácuo em movimento circular para se estudar sua interação com campos magnéticos, chamado de Múon g-2.

O momento magnético, representado pela letra “g” (fator giromagnético), governa a interação do múon com um campo magnético externo, uma vez que, assim como o elétron, ele possui um spin, que é quase como um pequeno ímã  interno, que aponta para certas direções. Em 1928, o físico Paul Dirac previu, com sua equação que levava em conta a relatividade de Einstein, que g deveria ser igual a 2. Entretanto, em 1948, o físico americano Julian Schwinger calculou g com a teoria quântica do eletromagnetismo, a Eletrodinâmica Quântica, e mostrou que g não era igual 2 e que seu valor deveria ser um pouco maior do que 2. Os experimentos da época confirmaram sua previsão, o que deu grande segurança aos físicos de que a teoria quântica estava no caminho certo. Essa diferença de g com relação a 2, conhecida como “g-2”, é chamada de momento magnético anômalo do múon.

No Fermilab, os múons giram no experimento que estuda essas partículas sob a influência de um campo magnético externo, que influencia o valor de g. Boito explica que, no entanto, além de o múon interagir com o campo magnético e até com outros múons, há partículas relativísticas que surgem no vácuo que interagem com o momento magnético dessa partícula, contribuindo para o valor observado de g. O Fermilab divulgou em 2023 a sua última medição mais apurada de g: 2,00233184118. 

Boito explica que as contribuições ao valor de g decorrentes da interação do múon com partículas como os fótons, o Bóson Z e o Bóson de Higgs são muito bem conhecidas. O foco de pesquisa hoje é analisar a parte do momento magnético do múon devido aos glúons e quarks. E, ainda, há a possiblidade de haver partículas desconhecidas pela Física até hoje nessa interação. Por isso, descobrir os mistérios a cerca do número exato de g é extremamente importante.

E o professor de São Carlos integra um esforço internacional para se alcançar esse objetivo, que no estudo em questão revelou uma grande esperança. Os dados experimentais, gerados no Fermilab, são comparados com dois tipos de resultados. O primeiro deles é baseado em cálculos que utilizam uma média agrupada de dados experimentais provenientes de colisões entre elétrons e antielétrons, medidas em diferentes aceleradores de partículas pelo mundo. O segundo é baseado em simulações computacionais da Cromodinâmica Quântica (QCD), conhecidas como “QCD na rede”. A QCD é a teoria que descreve a interação entre quarks e glúons.

O trabalho de Boito se debruça sobre a análise das contribuições da QCD ao momento magnético do múon e os motivos pelos quais os dois métodos existentes levam a resultados diferentes, que não estão em bom acordo entre si. “Entender estas diferenças é fundamental para sabermos se as previsões batem ou não com os resultados experimentais”, diz o pesquisador.

Os cálculos do momento magnético do múon são contas formadas por vários ingredientes, cada um deles correspondendo à contribuição de uma família diferente de partículas, praticamente como uma receita de um bolo. O grupo do qual Boito faz parte demonstrou que a discrepância nos resultados está na contribuição referente aos quarks leves conectados. O nome vem dos diagramas de Feynman desta contribuição. Estes diagramas, introduzidos por Richard Feynman, que ganhou o prêmio Nobel em 1965, são desenhos que os físicos de partículas usam para organizar os cálculos e, neste caso, as linhas dos quarks estão conectadas no desenho, por isso o nome.

“Há no mundo oito resultados muito bons de QCD na rede, gerados em vários supercomputadores,  para a contribuição dos quarks leves conectados. Mas a gente obteve um resultado muito diferente com o outro método, baseado nos dados experimentais de colisões de elétrons e antielétrons. Mostramos que a diferença entre os resultados de simulações de QCD na rede e aqueles baseados em colisões elétron-pósitron está na parte da conta referente aos quarks conectados. Não podemos afirmar ainda que essas contas estejam erradas, mas identificamos o ponto no qual a receita deixou que o bolo passasse a ser brownie”, brinca o pesquisador.

“Os outros pedaços batem, como o de quarks desconectados, que não têm um problema fundamental. Mas há claramente um problema nos quarks leves conectados. E isso tem consequências. É nisso que temos que focar a partir de agora”, afirma o cientista brasileiro, que acredita que, com estes estudos de grande precisão, estaremos mais próximos de entender se há ou não indícios da existência de novas partículas, o que pode até colaborar para se entender a matéria escura.

(Colaborou Roger Marzochi)