Na década de 1950, era comum jogar futebol às 15h sob garoa na cidade de São Paulo. Quem lembra é o climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas nos estudos sobre aquecimento global no mundo. Em palestra durante o Fórum Virada Sustentável, no Centro Cultural de São Paulo (CCSP), na quarta-feira (17/09), Nobre lembrou que era comum naquela época as pessoas manterem árvores em quintais e jardins.
“Eu nasci em 1951 e havia muito mais vegetação na cidade de São Paulo”, lembra. “Minha avó morava no Belenzinho. Quando eu a visitava, eu subia na jabuticabeira da minha avó, no quintal. Após décadas e décadas, São Paulo ficou sem vegetação. Os mais velhos se lembram que São Paulo era a terra da garoa, garoava em torno das 15h da tarde, eu jogava futebol na garoa. A partir de 1980 isso deixou de existir, não por causa das mudanças climáticas globais, mas porque foram retirando a vegetação da cidade.”
Hoje, professor no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), Nobre lidera um esforço científico para não apenas fazer com que as árvores voltem à cidade e região metropolitana, mas também está elaborando junto a físicos ferramentas de análises que colaborem no monitoramento das ilhas de calor e do aquecimento global localmente.

“Precisamos ter esses modelos matemáticos que nós temos para calcular quando a gente coloca, restaura muito a vegetação aqui em São Paulo, o modelo vai calcular como a temperatura vai variar, como a formação dessas nuvens muito fortes, cúmulos-nimbos, as rajadas de vento, os eventos extremos de chuva”, explicou o cientista ao Boletim SBF.
“São modelos que nós temos, que a USP tem, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tem. Estamos colocando cinco grandes cientistas no projeto. Há um modelo hidrológico, inclusive, desenvolvido também na USP. Por exemplo, se você colocar um tipo de asfalto que permita a percolação da água, isso diminui inundações, alagamentos, enxurradas. São modelos muito bons, é lógico que agora nós vamos aprimorá-los. A Física nesse processo é essencial”, explica o pesquisador, que poderá convidar para participar do projeto o físico Paulo Artaxo. Ambos integraram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que em 2007 foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz em razão dos estudos sobre os impactos das mudanças climáticas.
Ilhas de calor
Durante a palestra, Nobre lembrou do estudo realizado pela USP sobre as Ilhas de Calor Urbano (ICU) em São Paulo, que revela que os bairros da região metropolitana se tornam cada vez mais quentes sem a vegetação. “Quando você tem muita vegetação, 70% do saldo da energia radiativa que vem do Sol é utilizada para evaporação e, principalmente, transpiração das folhas. Essa é a energia. Quando você não tem mais vegetação, essa energia toda aquece o concreto, o cimento, o asfalto”, diz Nobre.
“Esse estudo mostrou que, no verão, em dias quentes, em lugares sem vegetação, a temperatura fica 5 a 10 graus mais quente que a Mata Atlântica nas proximidades. Além disso, outros fenômenos extremos, por exemplo, na década de 40, acontecia um fenômeno de chuva intensa, mais de 80 a 100 milímetros de chuva em 24 horas, uma vez por década. Agora, estão acontecendo duas, três vezes por ano. Isso é devido a esse aquecimento urbano do calor. O aquecimento global ajuda também nisso, mas o principal é essa coisa local”, afirma.
Segundo o cientista, as rajadas de vento são resultado desse superaquecimento. “Aqui na região metropolitana de São Paulo, vocês viram, em 2023, 2024 e até agora em 2025, bateu todos os recordes de rajadas de vento acima de 100 km por hora, todo o estrago que fez com as árvores caindo e derrubando a fiação. Tudo isso tem muito a ver com a falta de vegetação na região metropolitana de São Paulo. Então, é muito importante, realmente, que a prefeitura e todas as outras prefeituras da região metropolitana de São Paulo implementem muito rapidamente esses projetos de restauração florestal.”
Para combater esse efeito, o IEA-USP espera implementar o conceito de Esponja Verde Urbana, no qual a cidade tem capacidade não apenas de equilibrar sua temperatura com árvores, mas de absorver água da chuva. “Eu acabei de voltar da China, passei oito dias na China no começo desse mês, em Shanghai e Beijing. Qualquer um de vocês que conhece a China, vocês sabem, é uma magnífica vegetação. Eu até filmei uma área dentro de Beijing que tinha, assim, cinco quilômetros de vegetação, cinco por um quilômetro, no meio da cidade”, conta o climatologista. “E todo o lugar de Shanghai a Beijing, todas as ruas avenidas, rodovias, todas têm vegetação, inúmeros parques. Isso é uma solução que a China começou mais de 25 anos atrás. Mais de 70 cidades chinesas estão fazendo mega-restauração florestal porque tinha que melhorar muito, também, a qualidade do ar.”
O professor de Sustentabilidade do IEA-USP quer sensibilizar a população mostrando que os eventos extremos, como ondas de calor, são os que mais causam mortes, assim como chuvas intensas, alagamentos, inundações. “Nós atingimos por 21 meses 1,5 graus de aquecimento global (acima da média pré-industrial) de julho de 2023 até abril de 2025. Isso aumenta os eventos extremos em todo o planeta, mas em cima de São Paulo também. Esse nosso estudo vai mostrar como é absolutamente urgente e necessário fazer uma mega-restauração florestal em toda a região metropolitana de São Paulo.”
Para Nobre, a COP-30, que será realizada em Belém (PA), terá que ser a mais importante das 30 COP2, embora os Estados Unidos fiquem ausentes. “Todos terão que se comprometer (com a redução das emissões de poluentes). Mas, mesmo assim, é muito provável que a temperatura chegue a 2 graus até mais em 2050. Com o aquecimento global nesse nível, nós precisamos restaurar totalmente a vegetação aqui na região metropolitana de São Paulo.”
Se a temperatura chegar a 2 graus, passar de 2 graus até 2050, explica o cientista, e nós não restaurarmos amplamente a vegetação em toda a região de São Paulo, como fizeram os chineses, “nós podemos chegar a um nível, quase que torna durante os dias de verão, em 2100, inabitável. Estudos mostram que, se a gente aumentar a temperatura até 2 graus e meio e não restaurar a vegetação aqui, a temperatura chegará a 2100, 3, 4 ou 5 graus mais quente durante o verão nas áreas sem vegetação na região urbana. Ficam 120 ou mais dias inabitáveis para nós humanos. Inabitável. Então, eu queria destacar a urgência que nós temos de fazer essa transição e vamos nos basear nessas grandes cidades do mundo que fizeram isso principalmente.”
Nobre afirmou que é urgente um amplo debate sobre o tema com alunos no ensino fundamental e médio, além de universidades. “Muitos países, por exemplo, Japão, Coreia do Sul, países europeus, investem na educação para todas as crianças. Precisamos fazer isso no ensino fundamental, no ensino médio, para que estejam muito preparados para a mitigação, redução das emissões, e aumentar a resiliência aos eventos extremos. Vamos rapidamente fazer essa transição, vamos restaurar rapidamente a vegetação de toda a região metropolitana de São Paulo, especialmente de São Paulo, essencial para manter São Paulo habitável para sempre.”
(Colaborou Roger Marzochi)