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Cientistas refletem sobre a expressão da Física em tudo que usamos hoje, nos mistérios ainda a serem descobertos e na necessidade urgente de combater o negacionismo

Roger Marzochi

Olhe seu celular, seu computador. E amplie sua imaginação para toda a tecnologia que nos envolve hoje. Nada disso seria possível sem os questionamentos que se iniciaram com filósofos Pré-Socráticos, no século VI a.C na Grécia, que começaram a dissociar os deuses do mundo natural em busca de explicações racionais, até chegar em Galileu Galilei, considerado um dos pais da Física ao explicar os fenômenos pelo método científico. Sem a evolução da Física ao longo do tempo, seria impossível o desenvolvimento de coisas hoje corriqueiras como geladeiras, televisores, placas solares, aparelhos de ressonância magnética nuclear e, até mesmo, a previsão do tempo. 

“Eu acho que a Física está em tudo! Onde eu olho tem Física. Vejo o céu e entendo porque ele é azul, vejo o pôr-do-sol e entendo porque é alaranjado. A gente abre a geladeira e tem Física; liga o micro-ondas, tem Física; liga a televisão… Tem Física por todos os lados”, diz Débora Peres Menezes, diretora de Avaliação de Resultados e Soluções Digitais (DASD) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a primeira mulher eleita presidenta da Sociedade Brasileira de Física (SBF), cargo que ocupou de 2021 a março de 2023.

O trabalho desse profissional é celebrado no Dia do Físico, comemorado em 19 de maio (19/05), em referência ao ano de 1905, quando Albert Einstein publicou quatro importantes artigos, entre eles sobre a Teoria da Relatividade, considerado como o Ano Miraculoso de Einstein. “Sem Einstein e sem Heisenberg (Werner Karl) não haveria GPS, não haveria celular, que tem toda a Física Quântica por trás dos semicondutores”, explica Menezes, que começou a estudar Física por influência dos bons professores que teve no Ensino Básico.

E também foi cedo que o físico Rodrigo Barbosa Capaz, atual presidente da SBF, decidiu seguir esse caminho. Aos 14 anos, ele se encantou com o livro “Cosmos”, de Carl Sagan, e decidiu estudar para ser cientista. Hoje, também diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), ele explica o que lhe atrai na Física:“Desde essa época que decidi virar Físico, o que me atrai é participar de uma atividade universal, que busca um conhecimento que é comum a toda humanidade, através da cooperação com cientistas de todo o mundo em busca desse conhecimento. É uma atividade muito prazerosa intelectualmente e que tem impacto positivo na vida das pessoas, como podemos verificar olhando as diferentes tecnologias criadas a partir da Física. Há a beleza da descoberta cientifica, mas também a importância quando ela adquire um viés aplicado e pode contribuir com a melhoria de vida das pessoas e a evolução da humanidade.”

Capaz lembra que há muito ainda que se conquistar, tanto em ciência básica quanto na aplicada. Cientistas de todo o mundo, incluindo brasileiros, estão em busca de desvendar os segredos da matéria e energia escuras, que constituem 97% do Universo. No sertão da Paraíba, cientistas brasileiros e estrangeiros estão construindo o Observatório Bingo (acrônimo em inglês de Observações de Gás Neutro das Oscilações Acústicas Bariônicas), que estudará a Radiação Cósmica de Fundo em ondas de rádio, radiação liberada 380 mil anos após o Big Bang, em busca de respostas a essas questões. 

Além de ter pesquisadores brasileiros em projetos de estudo do Grande Colisor de Hádrons (LHC) na Suíça e nos estudos do seu sucessor Future Circular Collider (FCC), o Brasil ainda é sede do maior equipamento da Física do País, que compete com equipamentos parecidos na Suécia e na França: o acelerador de partículas Sirius, uma instalação de 68 mil metros quadrados, área próxima ao tamanho do Maracanã, que está localizada em Campinas, que produz uma luz (luz síncrotron) capaz de “fotografar” a composição da matéria, com diversas aplicações. Durante a pandemia, em 2020, usando uma das linhas de pesquisa do Sirius, cientistas do Laboratório Nacional de Biociência (LNBio), do CNPEM, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) conseguiram desvendar a estrutura de uma proteína que ajuda o Sars-Cov-2 a se replicar em células e a realizar análise de cristais da proteína da enfermidade, estudo este que chegou a novas conclusões em abril deste ano.

Há ainda físicos brasileiros liderando projetos como a construção do Cherenkov Telescope Array (CTA), que estudará a emissão cósmica de raios gama em um nível de energia jamais analisado pela ciência, que pesquisará eventos extremos do Universo, como buracos negros e estrelas de nêutrons; e uma grande e importante colaboração brasileira no Observatório Pierre Auger, que ocupa uma área duas vezes maior que a cidade de São Paulo, localizado em Malargüe, na Argentina, que estuda raios cósmicos.

Capaz lembra que há ainda desafios importantes da Física para a aplicação da física quântica de segunda geração, sendo que a primeira ocorreu no século 20 com o desenvolvimento do transistor, do laser, do aparelho de ressonância magnética nuclear, entre outros. Na segunda geração, a busca é por aplicações envolvendo elementos mais sutis da física quântica, como os conceitos de emaranhamento, coerência e tunelamento, que podem contribuir para o desenvolvimento dos computadores quânticos, comunicação quântica, metrologia quântica e sensoriamento quântico. “E a Física é muito importante também na busca por energias renováveis e no estudo das mudanças climáticas. Há diversas áreas em que a Física pode ajudar a resolver problemas do mundo contemporâneo”, diz Capaz.

Ambos avaliam que, nesse processo de valorização da Ciência e da Física, há um importante papel dos divulgadores científicos para leigos, especialmente as crianças. Menezes, inclusive, criou o projeto Mulheres na Ciência, com vídeos no YouTube e Tiktok nos quais mulheres cientistas debatem os mais diferentes temas e curiosidades do mundo da ciência. E ela acredita que, para combater o negacionismo, cujo exemplo mais expressivo é o movimento antivacinas, é necessário investir na Educação Básica, para desmistificar a ciência e os vendedores de curas quânticas e, até mesmo, do“colchão quântico”.

“Temos que enfrentar essa situação que é muito séria. Há necessidade de se explicar o que é o método cientifico, porque é que a ciência demora um tempo para responder às perguntas, a importância da comunidade científica na confirmação e na refutação de teses, pois a verdade cientifica é momentânea e, às vezes, é contestada. A noção de ciência tem que começar na infância, instruindo nossos pedagogos. As crianças precisam começar a vida sabendo que a ciência é importante e que a verdade científica não é mágica”, diz Menezes.

Crédito da Foto da Via Láctea: Observatório Didático de Astronomia Lionel José Andriatto da Unesp de Bauru