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Imagem do Telescópio Espacial James Webb revela detalhes dos Pilares da Criação, na Nebulosa da Águia. Pesquisa no LHCb busca entender porque há mais matéria que antimatéria no Universo – Crédito NASA/JWT

Resultados de experimentos realizados no LHCb levam cientistas a defender que a violação da simetria de Carga-Paridade observada pode ser entendida como um efeito da interação hadrônica no estado final e não pela interação ao nível dos quarks

A física brasileira Patrícia Magalhães, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com recente passagem pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e pelo Departamento de Física Teórica e do Instituto de Física de Partículas e Cosmos (Iparcos), da Universidade Complutense de Madrid (Espanha), faz parte de um grupo de cientistas que está deixando os físicos conservadores irritados ao propor uma mudança de paradigma na Física de Partículas.

Ela e esse grupo inovador sugere uma nova abordagem da observação da violação de Carga-Paridade (CP) no decaimento de mésons B e D, a partir de experimentos realizados no LHCb, localizado no Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo que fica na fronteira entre a Suíça e a França. Patrícia participou dos estudos sobre o decaimento do méson B, publicado em maio na revista científica Physical Review Letters, e do decaimento do méson D, publicado no mesmo veículo no mês de agosto.

A violação CP (Carga-Paridade) é um conceito importante na física de partículas e refere-se à quebra simultânea das simetrias de Carga (C) e Paridade (P) em uma determinada interação física. A simetria de Carga refere-se à invariância das leis da Física quando todas as cargas (para além da carda elétrica) são opostas. Isso implica que as interações físicas devem se comportar da mesma forma quando as cargas são invertidas.

A simetria de Paridade refere-se à invariância das leis da Física quando as coordenadas espaciais de um sistema são invertidas, ou seja, quando você troca todas as posições por posições com sinal oposto. Isso implica que as interações físicas devem ser as mesmas, independentemente da inversão das coordenadas espaciais.

Juntas, as transformações de Carga e Paridade, a transformação CP, levam a partícula a sua antipartícula. A violação CP ocorre quando uma determinada interação física não é invariante sob a inversão simultânea de Carga e Paridade: a violação CP significa que as leis da Física não se comportam da mesma maneira quando você troca todas as partículas por suas antipartículas. Essa violação é uma das explicações do porquê há mais matéria do que antimatéria no Universo.

“Acreditamos que o Universo foi criado na grande explosão chamada Big Bang. Nesse momento, a mesma quantidade de matéria e antimatéria foram criadas. Mas hoje vivemos em um mundo predominantemente feito de matéria. Tudo que vemos e pegamos, tirando a luz, é feita de átomos constituídos de prótons e nêutrons que, por sua vez, são constituídos de quarks. Então a ciência tem um grande mistério a explicar: onde foi parar toda essa antimatéria?”, questiona a cientista brasileira, em entrevista ao Boletim da SBF.

Segundo ela, na teoria que estuda o comportamento das partículas muito pequenas, formadas por quarks, que constituem os nêutrons e prótons de um átomo, há uma maneira de que processos favoreçam ou a produção de partículas ou antipartículas, mas a quantidade prevista pela teoria é muito pequena ainda para explicar as assimetrias observadas. 

Nos estudos da colaboração LHCb foram observados resultados muito interessantes de violação CP em decaimentos de mésons (partículas formadas por quark e antiquarks) B e D.  No primeiro caso, esse efeito já é esperado e conhecido há bastante tempo, mas o que surpreende é a grande quantidade dessa assimetria focalizada em regiões de energia específicas como      de 1 a 1,5 Giga Elétron Volt (GEV). Deste estudo, participaram Rodrigo Alvarez Garrote, do Centro de Investigaciones Energéticas Medioambientales y Tecnológicas (CIEMAT) em Madri, J. Cuervo e Jose Ramon Pelaez Sagredo, ambos do Departamento de Física Teórica, Universidad Complutense (Madri). O estudo, publicado em maio, faz uma revisão de um trabalho realizado em 2015, mas agora Patrícia usou uma nova metodologia.

Dados do LHCb para assimetria de CP (A_CP) no processo B->ppK retirado do paper (Phys. Rev D 108 012008 (2023) ) mostram que ha uma concentração de mais particula ou antiparticula em regiões de energia específicas dentro do espaço de fase (regiões em que é permitido o processo ocorrer)

Em decaimentos de méson D, a observação dessa assimetria só foi observada pela primeira vez muito recentemente, em 2019. No estudo do decaimento de méson D0 para píons e kaons (D0->KK e D0->pp), o valor observado para a diferença das assimetrias surpreendeu a comunidade por ser 10 vezes maior do que o esperado pelo cálculo teórico conhecido como válido até então. No estudo que Patrícia integrou sobre esse tipo de decaimento participaram também os pesquisadores Ignacio Bediaga, do Centro Brasileiros de Pesquisas Físicas (CBPF), e Tobias Frederico, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Na busca em se explicar esse valor, a comunidade se dividiu em dois grandes grupos: um que calcula esse efeito considerando a interação entre os quarks, e precisa incluir efeitos de uma Física além do modelo Padrão para explicar os dados experimentais; e o segundo grupo, que descreve o processo considerando a interação hadrônica (entre hádrons) como crucial para compreender o mecanismo.

“Eu faço parte deste segundo grupo”, explica Patrícia. “A interação forte só acontece entre os quarks. Mas isso não explica o dado experimental. O que eu faço: introduzo a interação hadrônica entre os mésons de estado final como uma fonte da fase forte. Podem contribuir para essa fase várias possibilidades de estados finais. Posso imaginar os mésons, ou seja, os quarks que se juntaram e formaram o méson, e depois disso os hádrons, que ficam interagindo entre si num processo chamado de longo alcance. O que eu observo experimentalmente são os hádrons, não vejo os quarks. Mas a descrição canônica é descrever os processos pelos quarks. E, para nós, isso não funciona”, afirma a cientista, que explica que a defesa dos cálculos feitos pelos cientistas que participaram desses estudos levou mais de um ano. “A grande sacada dos dois trabalhos é ter mudança de paradigma para descrever a violação de CP como sendo fundamentalmente um fenômeno de interação de estado final. E isso está em grande disputa na comunidade científica.”

(Colaborou Roger Marzochi)