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Concepção artística da formação de um sistema planetário. Os planetas rochosos e o núcleo de planetas gigantes são formados a partir de rochas e metais, "roubando" lítio e outros elementos refratários da nuvem-mãe. Crédito: NASA/FUSE/Lynette Cook

Astrônoma paulistana de 23 anos assina artigo que pode colaborar com pesquisas para a descobertas de exoplanetas e, porque não, de vida no Universo

A busca da ciência para responder à dúvida crucial da humanidade sobre a possível existência de vida fora do Sistema Solar ganhou mais um importante impulso. Há, na verdade, diversas condições necessárias para que isso ocorra, como água em estado líquido e uma certa distância da estrela. Mas uma pesquisa que tem como primeira autora a astrônoma paulistana Anne Rathsam, jovem cientista de 23 anos que está fazendo seu doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), pode ajudar no processo de achar “agulhas no palheiro” cósmico.

O estudo “Lithium depletion in solar analogs: age and mass effects”, publicado em novembro na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, analisou a composição química de 36 estrelas que possuem planetas e 156 estrelas sem planetas para identificar a quantidade de lítio existente nesses corpos. Anne e os pesquisadores Jorge Meléndez e Gabriela Carvalho Silva, ambos do IAG/USP, descobriram que estrelas que não têm planetas conservam aproximadamente o dobro do conteúdo de lítio de estrelas com planetas. Os testes estatísticos feitos pelos pesquisadores indicam que é improvável que esse resultado seja obtido ao acaso, ou seja, a probabilidade de que o resultado reflete o comportamento real das estrelas é alta (cerca de 99%).

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Não é que essa descoberta ajude de imediato encontrar exoplanetas e vida extraterrestre, porque o palheiro cósmico é imensurável. Mas, a partir dessa constatação, é possível colaborar com outros cientistas a direcionarem suas pesquisas no céu. “É apenas um indicador sobre a possível existência de planetas. Mas agora, se um cientista quiser fazer estudo em busca de planetas não detectados ainda, ao invés de selecionar estrelas aleatoriamente, pode selecionar estrelas com conteúdo de lítio baixo”, explica a cientista, em entrevista ao Boletim da SBF.

Segundo ela, o lítio é um elemento importante por ser extremamente sensível às condições estelares, podendo ser usado para estudar o interior de estrelas. “O transporte de matéria em estrelas ocorre por meio da convecção, na qual o material quente ascende à superfície enquanto o material resfriado retorna em direção ao interior. Em estrelas de tipo solar, a convecção ocorre em um envelope externo da estrela, e a camada convectiva não atinge a temperatura necessária para queimar o lítio. Assim, a abundância de lítio deveria ser constante com o tempo. Porém, o que se observa é que estrelas mais velhas possuem menos lítio, o que indica que existe um ou mais mecanismos de transporte não previstos pelo modelo padrão que levam o lítio a regiões mais internas e quentes, para que ele seja depletado.”

A menor quantidade de lítio também pode estar relacionada à história de formação de sistemas planetários. Os sistemas planetários, como o sistema Solar, são formados a partir de uma espessa nuvem de gás e poeira que, com a gravidade, começam a se unir formando estrelas e planetas rochosos e gasosos. “Nas temperaturas que encontramos essas nuvens moleculares, o lítio e outros elementos refratários são encontrados na forma sólida. Então eles vão se juntando até formar uma massa sólida que forma os planetas. E o lítio que era usado para compor a estrela acaba sendo usado para compor planetas. Assim, a estrela se forma com menos lítio que outras estrelas”, avalia a cientista.

A pesquisa foi realizada a partir de dados do espectrógrafo High-Accuracy Radial velocity Planet Searcher (HARPS) do Observatório Europeu do Sul (ESO), um aparelho que age como um prisma, decompondo a luz da estrela nas diferentes frequências. Desta forma, a luz decomposta em diferentes frequências revela assinaturas que refletem a composição química da estrela. 

Em comunicado à imprensa, o professor Jorge Meléndez, co-autor do artigo, explica que o lítio revela informações cruciais sobre a formação do Universo. “O lítio é um elemento fascinante. A abundância desse elemento nas estrelas mais antigas da Galáxia nos fornece informações cruciais sobre os primeiros minutos do Universo. Embora não seja possível enxergar diretamente o interior estelar, o lítio é importante pois é sensível às condições de temperatura no interior das estrelas, o que permite avaliar modelos de evolução das estrelas. E, como mostrado em nosso estudo, esse elemento também parece ser chave para identificar estrelas que possuem planetas.”

E Anne não pensa em parar por aqui. Desde quando descobriu no Ensino Médio que sua paixão pelo Universo estava diretamente associada às disciplinas de Física e Matemática, colocou-se a se dedicar aos estudos em áreas que começam cada vez mais a ganhar o protagonismo das mulheres. Com seus cabelos pintados de rosa e piercing nos lábios, ela explica que ainda está no meio do seu doutorado, mas que buscará se aprofundar ainda mais nas correlações entre evolução estelar e planetas e, também, no estudo de galáxias a partir de suas estrelas. E, com sua atitude jovem, ela quebra os estereótipos da figura de um cientista.

(Colaborou Roger Marzochi)