Os skyrmions são estruturas magnéticas minúsculas e estáveis que, apesar de seu tamanho nanométrico, têm despertado enorme interesse no desenvolvimento de tecnologias mais eficientes para armazenamento e processamento de dados. Pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Universidade Federal Fluminense e colaboradores da Escócia e Alemanha demonstraram que é possível estabilizar essas estruturas em nanomagnetos curvados mesmo sem aplicação de campos externos. A descoberta, que foi capa da revista Nano Letters, representa um passo importante para o desenvolvimento de tecnologias baseadas em spintrônica, área da física que explora o uso do spin dos elétrons em dispositivos eletrônicos.

Mas o que exatamente são essas estruturas? O físico Ramon Cardias (CBPF), que participou do estudo, compara o fenômeno do skyrmion às bolhas de ar na água. “Quando você está mergulhando, você solta aquela bolha de ar… a natureza sempre vai procurar o jeito energeticamente mais favorável de fazer as coisas, então sai uma esfera. Mas dependendo das circunstâncias, às vezes sai aqueles anéis. Esses anéis, apesar de não serem a forma mais fácil de se formar, são estáveis. Esse é o tipo de comportamento que os skyrmions têm nos materiais magnéticos.”
Para alcançar o resultado apresentado no artigo científico, os cientistas produziram nanocápsulas magnéticas com multicamadas de platina e cobalto depositadas sobre nanoesferas de poliestireno. A curvatura dessas cápsulas rompe a simetria estrutural, induzindo uma interação conhecida como Dzyaloshinskii–Moriya interfacial (DMI), que é essencial para a formação dos skyrmions. Segundo Danian Dugato, primeiro autor do trabalho e pós-doc no CBPF, “a curvatura tem um papel essencial na quebra de simetria de uma multicamada anteriormente simétrica”. “Essa é uma das principais interações que estabilizam esse tipo de textura topológica”, afirma.
A metodologia experimental usada no estudo tem origem no doutorado de Wesley Jalil, hoje tecnologista do CTI Renato Archer, em Campinas. “A ideia surgiu de trabalhos teóricos sugerindo que a curvatura contribuiria positivamente na estabilização dos skyrmions. Utilizamos a litografia coloidal como metodologia para obter essas nanocápsulas magnéticas com curvatura e espessura nanométrica”, explica Jalil.
As estruturas foram observadas com o auxílio de microscopia de força magnética e uma técnica sofisticada de holografia eletrônica, realizada em colaboração com laboratórios na Alemanha e Escócia. “Essa combinação entre simulações micromagnéticas e holografia nos permitiu provar que temos de fato essas estruturas do tipo redemoinho (skyrmions e skyrmioniums)”, explica Dugato.
Flávio Garcia, pesquisador do CBPF, ressalta que o artigo nasceu de um esforço coletivo que uniu expertises distintas. “Foi uma sinergia bacana entre o que o Wesley fazia com vórtices magnéticos e o know-how do Dugato em skyrmions. Quando o Ramon e o Márcio Costa entraram com os cálculos teóricos, conseguimos brincar com todos os termos de energia envolvidos no problema. Isso nos permitiu mostrar que, com pequenas variações de curvatura e espessura, conseguimos estabilizar texturas magnéticas variadas em laboratório”, explica Garcia.
Além dos skyrmions tradicionais, os pesquisadores observaram também os skyrmioniums, estruturas ainda mais promissoras por não apresentarem o chamado efeito Hall de Skyrmions. “Essas estruturas podem ser utilizadas em dispositivos de memória como a Racetrack Memory, na qual bits de informação são codificados e movidos por correntes elétricas”, comenta Dugato. A ausência do efeito Hall de skyrmion impede que os mesmos se desloquem para as bordas e sejam aprisionados ou destruídos, o que aumenta a estabilidade do sistema.
Outro destaque da pesquisa é o uso de materiais como platina e cobalto, evitando o irídio, um elemento raro e caro. E tudo isso funcionando a temperatura ambiente. “Os primeiros skyrmions foram observados em sistemas com irídio, a temperaturas muito baixas. Nosso trabalho mostra que é possível alcançar essas texturas sem campo magnético externo, com materiais viáveis e condições mais práticas”, explica Cardias.
“Eu acho que um dos grandes méritos do artigo é o fato de a gente poder jogar com todos os termos de energia envolvidos nesse problema”, diz Garcia. “Esse sistema curvado dessas nanocápsulas acaba sendo um grande playground para a gente brincar com todos esses termos de energia e estabilizar qualquer coisa que a gente queira.” O trabalho foi destaque de capa da Nano Letters, com arte desenvolvida por uma designer gráfica em colaboração com os autores.
Com base nesse “playground magnético”, novas arquiteturas para dispositivos ultracompactos e energeticamente eficientes podem começar a ser desenhada, apesar de a ciência básica já se configurar sempre uma grande conquista. E talvez, em um futuro não tão distante, nossos computadores tragam no âmago de seus processadores estruturas que, como bolhas embaixo d’água, dançam com leveza, sustentadas por uma física profunda e elegante.
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(Colaborou Roger Marzochi)