Vem da Bahia, terra de todos os santos, uma pesquisa que colabora na busca de se entender a expansão do Universo. Rodrigo von Marttens, cientista e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), participou de uma pesquisa internacional que propõe um novo modelo cosmológico que consegue explicar alguns dos desafios observacionais enfrentados pelo modelo cosmológico padrão. Entre esses desafios está o recente resultado encontrado pela colaboração DESI (Dark Energy Spectroscopic Instrument), que indica um desvio considerável em relação ao atual paradigma. As observações do DESI são obtidas através de um instrumento instalado no Observatório Nacional de Kitt Peak, no Estado do Arizona (EUA), acoplado ao telescópio Mayall, de quatro metros de diâmetro de espelho principal. Ele é um espectrógrafo de última geração projetado para mapear a expansão do Universo e ajudar a entender a energia escura, a misteriosa força que acelera essa expansão, como supõem os cientistas.
O primeiro a perceber que o Universo estava em expansão foi Edwin Hubble, em 1920. A tese foi se aprimorando ao longo do tempo, evoluindo à medida do aprimoramento dos cálculos e dos equipamentos de observação, buscando se basear em velas-padrão, como são chamadas as luzes de supernovas, e o reforço dos satélites WMAP e Planck, que consolidaram o chamado modelo padrão (ΛCDM) da forma e ritmo de expansão das galáxias. Só que não. Nos últimos anos, as observações têm demonstrado desvios desse modelo que, apesar de robusto, precisa ser aprimorado. Sobre esse assunto, o Boletim SBF já entrevistou o físico Miguel Quartin, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).

No artigo “Novel Approach to Cosmological Nonlinearities as an Effective Fluid”, publicado no dia 15 de agosto no periódico científico Physical Review Letters (PRL), Rodrigo von Marttens junto aos cientistas da The University of Queensland (Austrália) Ryan Camilleri e Leonardo Giani, defendem a utilização de “fluídos” de matéria efetivos para além do modelo padrão. O termo “fluído” de matéria é utilizado para se referir à distribuição da matéria em escalas cosmológicas, que pode ser comparada a um fluido físico contínuo. O modelo ΛCDM utiliza-se de apenas um único fluído para descrever a matéria em grandes escalas no Universo. “De fato a distribuição de matéria no Universo parece uma teia, com regiões de maior densidade e regiões de menor densidade, além dos filamentos que interligam todo o sistema. No modelo padrão, tudo isso é descrito por um único fluido. Nossa hipótese é que esta descrição é muito simplista e não consegue capturar toda a contribuição da matéria na dinâmica do Universo. A teia cósmica é um sistema tão complexo que essas regiões de maior ou menor densidade possuem um efeito considerável na dinâmica do Universo”, diz von Marttens ao Boletim SBF.
Ao longo da “teia” formada por galáxias, estrelas e buracos negros, entre outros corpos cosmológicos, há áreas de grande concentração de matéria (clusters) e áreas que até parecem “vazias” (voids). Para modelar o efeito dessas regiões na distribuição da matéria e buscar responder às medições que não batem com o modelo padrão, o artigo publicado em agosto na PRL sugere a utilização de outros dois fluídos extras, que descrevem as contribuições dos clusters e dos voids. Esses aglomerados e vazios são estruturas gigantescas, que chegam a ter mais de 3 milhões de anos-luz. Devido à sua complexidade, é comum que os cientistas recorram a grandes simulações computacionais para estudar essas estruturas, como o TNG Project, responsável pela imagem que ilustra a abertura deste post.
“Nossa ideia é que os fluidos que descrevem os aglomerados e os vazios vão ter efeitos diferentes daquele exercido pelo fluido de matéria usual do modelo cosmológico padrão. Estes efeitos devem ser levados em conta”, explica o cientista, que concluiu graduação em Física (2011), mestrado (2013) e doutorado (2017) em Cosmologia e Gravitação na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Foi ali que conheceu o italiano Leonardo Giani, doutor pela mesma instituição, no âmbito do programa de Doutorado Internacional em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação (PPGCosmo).
O físico explica que, até o momento, não recebeu críticas afiadas da comunidade. Ele, no entanto, está aberto ao debate, de natureza acadêmica. “A ideia de que grandes estruturas podem afetar a dinâmica do Universo já foi explorada. No entanto, entendemos que esta é uma abordagem realmente nova e que tem o potencial de mudar a maneira como a gente enxerga a evolução da dinâmica do Universo. Os dados observacionais atuais e futuros serão de grande importância para a consolidação do nosso entendimento”, explica.
“Foi um grande triunfo conseguir mostrar que essa hipótese tem o potencial de explicar melhor os resultados obtidos pelo DESI e ainda, como um bônus, pode resolver outros problemas enfrentados pela cosmologia atualmente, como a tensão da Constante de Hubble. Isso foi uma coisa que, de fato, deu força para esse trabalho.”
(Colaborou Roger Marzochi)