Pesquisadores do IIFUFRN e da Dinamarca publicam guia sobre o paradoxo do Demonio de Maxwell.

Saiu em 11 de agosto de 2025 na PRX Quantum o tutorial “A Friendly Guide to Exorcising Maxwell’s Demon”, guia criado por Alexssandre de Oliveira Junior (Technical University of Denmark) e Rafael Chaves (UFRN), em parceria com Jonatan Bohr Brask (Technical University of Denmark). O texto faz um mapa de um século e meio de debates sobre o célebre experimento mental do “demônio” de Maxwell e mostra por que, hoje, informação é parte do alfabeto da termodinâmica.

Maxwell imaginou um agente hipotético que, ao abrir/fechar uma portinhola entre dois reservatórios de gás, deixaria passar partículas rápidas para um lado e lentas para o outro, criando uma diferença de temperatura sem realizar trabalho, algo que pareceria violar a segunda lei da termodinâmica. O “truque”, mostram os autores, está no papel físico da informação: para agir, o agente precisa medir, armazenar e processar dados sobre as partículas, e esse ciclo tem custo termodinâmico.

“A Friendly Guide to Exorcising Maxwell’s Demon” faz um mapa de um século e meio de debates sobre o célebre experimento mental do “demônio” de Maxwell.

Para decidir quando abrir a portinhola, o tal agente precisa saber. E saber exige medir, registrar, comparar, descartar. É nesse ponto que tudo se complica: a informação deixa de ser uma ideia abstrata e ganha forma — passa a ter peso, passa a ter custo. O tutorial reconta o caminho que liga essa intuição às peças. Primeiro, a versão prática do truque, proposta por Leo Szilárd: um dispositivo mínimo, quase de brinquedo, em que uma única molécula e um pistão bastam para ilustrar a troca entre informação e trabalho. Depois, a régua para medir incerteza, a teoria da informação, que ensinou a contar bits como se contassem grãos. E, por fim, a regra que fecha a conta: ao apagar informação, sempre se paga em calor. Não é metáfora: é a “nota fiscal” que impede a falência da segunda lei. Quando se coloca essa despesa no balanço, o “lucro” do demônio some.

Segundo Oliveira Júnior, o tutorial é destinado para alunos em final de graduação ou de pós-graduação com uma base em física quântica. “No entanto, isso não impede que estudantes de outras áreas, como engenharia, também possam se beneficiar da leitura. Apresentamos ferramentas básicas que qualquer aluno de ciências exatas pode aprender e aplicar para compreender a resolução do paradoxo”, explica o cientista, que prefere ser chamado de Alê.

O físico Alexssandre de Oliveira Junior da Technical University of Denmark.

“Tudo começou quando o Rafael Chaves veio nos visitar em Copenhague. A ideia surgiu já no primeiro dia, em uma conversa casual sobre o demônio de Maxwell. O curioso é que, logo de início, percebemos lacunas na literatura: questões simples e naturais não tinham respostas diretas, ou então as respostas eram difíceis de encontrar de forma objetiva. Outro problema era que as referências existentes sobre o demônio de Maxwell estavam desatualizadas. Embora fossem muito boas e abordassem o material de maneira adequada, a resposta para certas perguntas que impactam diretamente ‘o demônio’ só apareceu recentemente”, explica o cientista, em entrevista por e-mail ao Boletim SBF.

Os pesquisadores leram mais de 200 papers sobre o assunto, incluindo o máximo de referências relevantes. “Para a curadoria, priorizamos (i) artigos que consolidam conceitos centrais, (ii) resultados experimentais de referência e (iii) trabalhos de revisão recentes; em caso de redundância, mantivemos as fontes mais claras e atualizadas. Para cada leitura, o Rafael e eu discutíamos bastante. Às vezes, eu me encarregava de escrever, enquanto ele lia, comentava, corrigia e acrescentava pontos. Outras vezes, ele escrevia, e eu lia, comentava e acrescentava pontos”, explica Alê, sobre o trabalho que demorou cerca de sete a oito meses para ser concluído.

“Consideramos a possibilidade de oferecer um minicurso baseado no nosso tutorial. Há muitos físicos brasileiros trabalhando na interseção entre termodinâmica, mecânica estatística, teoria da informação e física quântica, especificamente no tema do demônio de Maxwell. Acredito que os pesquisadores brasileiros têm, de fato, contribuído de forma significativa para impulsionar essa agenda e aprofundar nossa compreensão sobre o demônio de Maxwell”, diz o cientista.

Resta uma pergunta incômoda: por que, afinal, falar em “demônio”? De acordo com o artigo Maxwell’s demon: Slamming the door, publicado na Nature em 2002, o historiador P. M. Harman explica que “o demônio apareceu pela primeira vez em 1867, quando P. G. Tait, professor de filosofia natural na Universidade de Edimburgo, pediu a Maxwell que comentasse um manuscrito intitulado A Sketch of Thermodynamics (publicado no ano seguinte)”. O artigo explica que Maxwell prometeu “apontar algumas falhas aqui e ali”: “e, de fato, criou o demônio como um meio de demonstrar que a segunda lei é estatística e, portanto, tem um status diferente das leis “dinâmicas”, como as de Newton. Profundamente religioso, Maxwell não teria chamado seu dispositivo, essencialmente um experimento de pensamento (gedankenexperiment), de ‘demônio’. Esse termo foi cunhado por William Thomson (mais tarde, Lord Kelvin).”

Maxwell não estava invocando folclore, mas sim usando um personagem para cutucar nossa intuição. Afinal, demônios não existem. Mas há quem os veja, principalmente, quando pessoas sem escrúpulos ganham poder sobre as leis e a vida de outras pessoas independentemente da dimensão de sua influência: e, na física, ao menos o guia, mostra que não há almoço grátis, porque quando a natureza parece oferecer um atalho, alguém, em algum lugar do processo, está pagando a conta.

(Colaborou Roger Marzochi)