Categorias

Posts recentes

Ilustração do anel em Quaoar. Crédito da Imagem ESA, CC BY-SA 3.0 IGO

Limite de Roche, teoria criada pelo francês Edouard Roche em 1850, é colocada à prova no estudo que intriga os cientistas

A Terra possui uma Lua da forma como a conhecemos hoje porque está distante o suficiente para que o satélite seja formado. Caso a Lua estivesse mais perto da Terra, a gravidade agiria de maneira diferencial sobre esse objeto de forma quebrá-lo em pedaços, formando um anel em torno do planeta. A linha imaginária onde essa força é suficiente para fragmentar uma suposta lua é conhecida pelo nome de Limite de Roche, proposta em 1850 pelo astrônomo e matemático francês Edouard Roche (1820-1883) em seus estudos dos anéis de Saturno.  O artigo “A densering of thetrans-Neptunianobject Quaoar outside its Roche Limit”, publicado em fevereiro na revista Nature, coloca essa regra à prova e intriga cientistas.

O astrofísico brasileiro Bruno Morgado participou desse trabalho. Professor do Observatório do Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Morgado integra a colaboração Lucky Star, sob a liderança do cientista Bruno Sicardy do Observatório de Paris (França) que une cientistas de todo o mundo na busca de caracterizar pequenos corpos do Sistema Solar, que são como que tijolos na formação planetária. E, neste caso do artigo, o objeto de estudo foi o asteróide Quaoar, que está além da órbita de Netuno, no Cinturão de Kuiper.

Com 555 km de raio, metade do tamanho de Plutão, Quaoar é um candidato a ser planeta-anão. Por meio da técnica de ocultação estelar, na qual os cientistas buscam identificar a passagem do objeto na frente de estrelas, os pesquisadores descobriram que esse objeto transnetuniano possuía um anel. Desde 2014, os cientistas já sabem que a existência de anel não é uma característica exclusiva de planetas gigantes como Saturno e Júpiter. Aliás, foi o cientista Felipe Braga-Ribas, do Observatório Nacional, que liderou um estudo que identificou anéis em Chariklo, asteróide descoberto em 1997, com 250 km de diâmetro que orbita o Sol entre Júpiter e Netuno. Há anéis também no planeta anão Haumea, que se localiza no Cinturão de Kuiper, descoberto em 2004.

O que intriga Morgado é que o anel de Quaoar está situado a 4,1 mil km do asteróide, enquanto que o Limite de Roche esperado para este objeto é de 1,78 mil. Com essa distância, Morgado afirma que os pequenos pedaços já deveriam ter se juntado formando uma lua, o que não ocorreu. O cientista explica que, como esperado pelo modelo padrão de formação, os pedaços que formam o anel deveriam se unir em uma lua no tempo de 10 a 20 anos, algo muito rápido.

Além do Observatório de Valongo, o trabalho contou com a colaboração do Observatório de Paris (Meudon, França), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Curitiba, Brasil), Instituto de Astrofísica de Andalucía (Granada, Espanha), Observatório Nacional (Rio de Janeiro, Brasil), Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Rio de Janeiro, Brasil), Universidade de Oulu, (Oulu, Finlândia)e o telescópio espacial CHEOPS, da Agência Espacial Europeia (ESA).

“Foi bastante inesperado a descoberta do anel, porque deveria se tornar um satélite natural. Não sabemos o que está fazendo esse anel se manter lá. A primeira hipótese: será que não estamos no tempo certo e somos muito sortudos de ver a formação de uma lua em primeira mão? É uma possibilidade, mas algo muito improvável. Pensar que o Sistema Solar tem 4 bilhões de anos e estar vendo isso acontecer é bastante improvável, apesar de possível. Mas pode ter alguma interação gravitacional que impede o anel de se tornar o satélite”, explica o astrofísico Bruno Morgado, de 32 anos, ao site e Boletim da SBF.

Quaoar ainda possui uma lua: Weywot, de 80 km de diâmetro. Morgado acredita que possa haver alguma relação gravitacional com essa lua, ou com outra, a qual não seja ainda possível ver. Mas continua o mistério. “Só um trabalho futuro pode responder à todas essas questões. Espero que vários outros pesquisadores ligados a dinâmicas, movimento dos corpos, colisões possam tentar entender esse sistema”, conclui Morgado.

(Colaborou Roger Marzochi)