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Imagens do Telescópio Espacial James Webb da nebulosa NGC 3132, ou Nebulosa do Anel do Sul, que está a 2,5 mil anos-luz da Terra / Crédito: NASA, ESA, CSA e STScI

Estudo reuniu 69 cientistas de todo o mundo, incluindo brasileiros, para estudar as primeiras imagens feitas pelo Telescópio Espacial James Webb da NGC 3132, que está a 2,5 mil anos-luz da Terra e que pode ter até cinco estrelas

Na casa da astrofísica Isabel Aleman em Embu das Artes, na Grande São Paulo, há diversas janelas para o Universo. E não são apenas essas de vidro e alumínio que fazemos correr para entrar luz e ar: são quadros pintados por seu pai, artista falecido em 2014, que retratam muitas estrelas e uma imagem que representa a filha alcançando uma nebulosa planetária. Esta última pintura não poderia ser mais representativa, uma vez que Isabel ganhou destaque internacional ao participar da coordenação do estudo das primeiras fotos feitas pelo Telescópio Espacial James Webb (apelidado simplesmente de Webb ou JWST, como os astrônomos preferem), especificamente dez imagens da nebulosa NGC 3132, ou Nebulosa do Anel do Sul, que está a 2,5 mil anos-luz da Terra.

“Há também um quadro de um pierrô brincando com estrelas. Aqui ao redor, tenho vários quadros do meu pai, que são janelinhas para o Universo”, diz a cientista, em entrevista ao Boletim da Sociedade Brasileira de Física (SBF) no dia 12 de julho, aniversário de um ano da divulgação das primeiras imagens do JWST em 2022. Com seu empenho e paixão pelos segredos do espaço profundo, Isabel participou com outros 68 cientistas de todo o mundo da análise das imagens, que revelaram que a NGC 3132 tem mais do que as duas estrelas que já foram observadas por meio do telescópio Hubble. As conclusões do estudo foram reunidas num artigo científico que foi capa da revista Nature Astronomy, em dezembro de 2022: “The messy death of a multiple star system and the resulting planetary nebula as observed by JWST”.

Antes dos dados, um retrospecto da história de Isabel. O seu amor pela astronomia nasceu do interesse de seu pai por ficção científicae ciências. Embora lesse livros de Isaac Asimov e outros autores de ficção científica desde a infância, Isabel preferia ter acesso a textos de divulgação científica como “Cosmos”, do astrofísico americano Carl Sagan, que deu origem à série de TV. Aos 15 anos, ela já estava lendo “Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros”, livro do físico britânico Stephen Hawking. Ao cursar Eletrônica no Ensino Médio, Isabel teve a certeza de seu gosto por Física e Matemática e entrou no curso de Bacharelado em Física no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

Alí, ela se graduou na primeira turma da habilitação em Astronomia, seguindo para mestrado e doutorado no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG USP), também na USP, e vários pós-doutorados como pesquisadora na própria USP, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), no Brasil, assim como na Universidade de Manchester (Inglaterra) e Universidade de Leiden (Países Baixos). Especializando-se na área de Astrofísica, com ênfase no estudo da física e química de nebulosas fotoionizadas, ela se tornou membro do Comitê Organizacional da Comissão H3 “Nebulosas Planetárias” da União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês).

Quando, no ano passado, a Agência Espacial dos Estados Unidos (NASA) divulgou as primeiras imagens do Webb a comunidade científica e o público ficaram fascinados com a nitidez das fotos e do alcance do espaço profundo, a partir da captação de radiação infravermelha do Universo. E não seria diferente para Isabel. Um dos membros da Comissão H3 da IAU, o professor Albert Zijlstra, da Universidade de Manchester, sugeriu a redação de um artigo, uma vez que as imagens eram impressionantes e estavam circulando pela mídia causando grande curiosidade. A Comissão convocou cientistas, reunindo 69 pesquisadores da área de Nebulosas Planetárias de praticamente todos os Continentes, exceto da Antártica, brinca a cientista.

A professora Orsola De Marco, da Faculdade de Matemática e Ciências Físicas da Universidade Macquarie, na Austrália, criou um canal no aplicativo Slack e organizou as pessoas todas ao redor do tema. Segundo Isabel, especialistas de diversas áreas contribuíam com sugestões e técnicas que pudessem colaborar com a análise das imagens. Uma nebulosa planetária é formada durante a morte de uma estrela de massa baixa, que no fim da vida ejeta suas camadas exteriores para o espaço. O que sobra da estrela é um núcleo denso e quente que irradia esse material com radiação principalmente no ultravioleta, ionizando o gás e aquecendo a poeira que o compõe. Esse material emite radiação em vários comprimentos de onda, inclusive no infravermelho, que pode ser captada pelo Webb.

As primeiras imagens da NGC 3132 divulgadas pelo Webb foram feitas usando dez filtros que separam a radiação em faixas de frequências diferentes. Os filtros são planejados para isolar frequências interessantes para os cientistas e podem até isolar a emissão de certas espécies químicas. “Em nosso caso, temos imagens que isolam, por exemplo, a emissão de hidrogênio molecular, revelando regiões mais densas e frias do gás. A resolução das imagens do JWST é espetacular e nos permitiram ver que a emissão de hidrogênio molecular é causada em resposta à radiação da estrela central. Além disso, também ajudaram a revelar indiretamente a presença de mais uma estrela nesse sistema”, indica Isabel, cuja tese de doutorado estudou o hidrogênio molecular em nebulosas planetárias. Para saber qual emissão cada imagem está mostrando, Isabel e outros pesquisadores desenvolveram modelos que simulam os processos físicos e químicos dentro da nebulosa.

E outros cientistas brasileiros acrescentaram aos dados do Webb mais camadas de informações. Hektor Monteiro (Unifei), Cláudia Mendes de Oliveira (USP), Bruno Quint (Observatório Rubin) e Philippe Amram (Aix-Marseille Université) contribuiram com dados obtidos no Southern Astrophysical Research Telescope (SOAR), observatório do qual o Brasil é sócio, no Chile. Eles usaram um novo módulo do SOAR chamado SAM-FP (Soar Adaptive Module Fabry-Perot), construído com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para fazer observações na faixa visível. Com esses dados, Hektor Monteiro desenvolveu um modelo da estrutura tridimensional da nebulosa, baseado em sua tese de doutorado, na qual já estudava a NGC 3132. A professora Denise Gonçalves, da UFRJ, também contribuiu no artigo.

O Sol, quando morrer daqui há 5 bilhões de anos, vai entrar em colapso e ejetar as camadas externas para o espaço, tornando-se uma nebulosa planetária. Uma estrela isolada como o Sol deve ejetar o material com simetria esférica. Quando isso ocorre em um sistema estelar binário, o material fica concentrado no plano da órbita, enquanto parte da massa escapa pelos pólos, formando uma estrutura bipolar, que é vista em várias nebulosas planetárias. Em sistema múltiplos, a estrutura resultante pode ser muito mais complicada. Esse é o caso da A NGC 3132: a complexa estrutura que é vista nas imagens do JWST indicam que até 5 estrelas podem estar bagunçando o material ejetado pela estrela.

Já eram conhecidas duas estrelas, visíveis nas imagens do Telescópio Hubble tomadas há várias décadas. Isabel conta que o Webb detectou ao redor da estrela central — a que gerou a nebulosa — um excesso de emissão de radiação infravermelha média que não deveria estar lá. “Nosso grupo sugeriu que essa emissão seria causada por um disco de poeira ao redor da estrela. Um disco seria produzido por um sistema binário, mas a estrela companheira vista nas imagens do Hubble não pode produzir aquele disco. Temos que postular então uma terceira estrela muito próxima à estrela central. Não conseguimos vê-la, pois estaria ofuscada pelo brilho da estrela central”, afirma.

A reconstrução tridimensional que o grupo fez revelou que as protuberâncias vistas na estrutura do gás são pares diametralmente opostos, que teriam que ser causados pela ejeção polar de material em um sistema múltiplo, mas a configuração das três estrelas já inferidas não poderia causar essa geometria. Uma quarta estrela, teria que existir.

Os arcos vistos no gás molecular mais externo também indicam um sistema binário. Novamente, as configuração das outras quatro estrela não podem explicar o padrão observado. Uma quinta estrela seria a causadora, segundo cálculos feitos por especialistas nessas estruturas. “Essa ‘bagunça’ que conseguimos ver na nebulosa é indicação forte que esse sistema não é simples e tem três estrelas ou mais. Temos bastante certeza de ao menos três. Mas é natural que haja mais”, explica Isabel, na expectativa de novas descobertas científicas que ampliem a ilha do conhecimento sobre o Universo.

(Colaborou Roger Marzochi)