Categorias

Posts recentes

O Prêmio Nobel de Física de 2021 foi dividido entre os pesquisadores Giorgio Parisi, Klaus Hasselmann e Syukuro Manabe com a seguinte menção: “for groundbreaking contributions to our understanding of complex systems” (“por contribuições seminais para nosso entendimento dos sistemas complexos”, em tradução livre). 

O documento “Scientific Background on the Nobel Prize in Physics 2021” (https://www.nobelprize.org/uploads/2021/10/sciback_fy_en_21.pdf), elaborado pelo Comitê Nobel de Física da Academia Real de Ciências da Suécia cita artigos de pesquisadores bolsistas do CNPq entre aqueles relevantes para o entendimento da contribuição do professor Parisi.

Os únicos trabalhos de brasileiros citados pelo documento na parte de sistemas fotônicos foram os artigos: A. S. L. Gomes, E. P. Raposo, A. L. Moura, et al., Sci. Rep. 6, 27987 (2016); I. R. R. González, E. P. Raposo, A. M. S. Macêdo, et al., Sci. Rep. 8, 17046 (2018); e A. L. Moura et al., Phys. Rev. Lett. 119, 163902 (2017), que correspondem, respectivamente, às referências [33], [34] e [74] do documento. E na parte de sistemas magnéticos, o artigo J. R. L. de Almeida e D. J. Thouless, J. Phys. A 11, 983 (1978), referência [21].

Para entender melhor a contribuição do grupo de pesquisa brasileiro, sediado no Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – que completa 50 anos em 2021 – é necessário inicialmente explicar a importância do trabalho do professor Parisi no contexto dos sistemas vidros de spins.

No início da década de 1970 observou-se um comportamento magnético bastante diferente do usual em ligas metálicas em que átomos de ouro e ferro eram misturados em posições aleatórias. Em baixíssimas temperaturas, os spins dos átomos de ferro apontam em direções aleatórias e fixas, como se estivessem “congelados”. Esse novo tipo de comportamento magnético recebeu o nome de “vidro de spins” (“spin glass”), em analogia com a aleatoriedade das posições das moléculas num vidro comum.

A partir de 1975 os primeiros modelos teóricos foram propostos para explicar essa fase vidro de spins. Contudo, Jairo R. L. de Almeida, professor aposentado do Departamento de Física da UFPE, e D. J. Thouless, ganhador do Prêmio Nobel de Física de 2016 e professor da University of Washington, Estados Unidos, descobriram que a solução proposta por esses modelos era instável (referência [21] do documento acima).

Em 1979 Giorgio Parisi, da Università di Roma “La Sapienza”, publicou uma teoria que explicava o comportamento vidro de spins. Segundo essa teoria, duas réplicas do sistema possuem comportamentos termodinâmicos idênticos a altas temperaturas, mas poderiam apresentar propriedades distintas na fase vidro de spins a baixas temperaturas. Esse fenômeno ficou conhecido como “quebra de simetria de réplicas” e deu origem a uma verdadeira revolução no estudo de sistemas magnéticos com desordem (por exemplo, a aleatoriedade nas posições dos spins) e frustração (impossibilidade de satisfazer todas as interações magnéticas entre os spins).

Quase trinta anos após os trabalhos seminais de Parisi, um grupo liderado por C. Conti, também da Università di Roma “La Sapienza”, previu teoricamente em 2006 e demonstrou experimentalmente em 2015 a fase vidro de spins numa outra natureza de sistemas, os chamados lasers aleatórios (“random lasers”). Os lasers aleatórios são bem diferentes dos lasers convencionais, em que o feixe laser é gerado numa cavidade com dois espelhos. Nos lasers aleatórios a luz é espalhada por um grande número de elementos (por exemplo, átomos ou íons) em posições aleatórias no material. Nesse caso, se determinadas condições específicas forem satisfeitas o feixe de luz emitido possui propriedades laser.

Conti e colaboradores descobriram que se o grau de aleatoriedade dos espalhadores for suficientemente alto então as fases das ondas eletromagnéticas que formam a emissão laser “congelam” em valores aleatórios, de modo semelhante ao “congelamento” dos spins em direções aleatórias nos materiais magnéticos desordenados. Essa fase ficou então conhecida como fase vidro de spins fotônica com quebra de simetria de réplicas.

Os trabalhos do grupo do Departamento de Física da UFPE, com liderança experimental do professor Anderson S. L. Gomes e teórica do professor Ernesto P. Raposo, constituem algumas das primeiras demonstrações da fase vidro de spins fotônica (referências [33], [34] e [74] do documento acima mencionado).

De fato, desde 2015 este grupo de pesquisa da UFPE vem avançando no entendimento das fases complexas em lasers aleatórios, incluindo também distribuições de Lévy de intensidades, eventos estatísticos extremos, fases de Floquet e comportamento fotônico tipo turbulento.

O documento do Comitê Nobel escreve ainda que a referência [34] dos pesquisadores brasileiros “(…) conecta o trabalho inicial de Hasselmann ao de Parisi e ao papel da desordem e flutuações em sistemas complexos em geral.” (em tradução livre).

Além dos professores Gomes e Raposo, participaram também dos trabalhos acima citados os professores e pesquisadores do CNPq André L. Moura (UFAL, Campus Arapiraca), Antônio M. S. Macêdo (UFPE), Cid. B. de Araújo (UFPE), Iván R. R. González (UFRPE, campus de Belo Jardim), Lauro J. Q. Maia (UFG) e Leonardo de S. Menezes (UFPE).