O Dia da Mulher, comemorado em 8 de março, é um momento de reflexão para a sociedade sobre os estereótipos atribuídos às mulheres desde o seu nascimento. A ideia estreita de que a mulher nasceu para cuidar da casa e da família, levado ao extremo, impede uma atuação ampla e irrestrita do sexo feminino nas ciências. É preciso, no entanto, considerar que há avanços graduais, porque as mudanças mais estruturais realmente são lentas.

Apesar das significativas desigualdades entre homens e mulheres no universo das ciências exatas, incluindo a Física, o número de bolsas concedidas anualmente pelo CNPq a pesquisadoras aumentou 15,6% nos últimos cinco anos, passando de 626 em 2020 para 724 em 2025. Mesmo com esse crescimento, as mulheres representam apenas 22,5% das bolsas concedidas em 2020 e 25,7% em 2025, com uma média de 24,5% no período.

Gráfico número de bolsas concedidas anualmente pelo CNPq, mostrando que as bolsas são concedidas mais para homens que para mulheres.
Gráfico número de bolsas concedidas anualmente pelo CNPq.

O abismo entre homens e mulheres se acentua ainda mais se levado em conta os auxílios financeiros concedidos por ano para o fomento de pesquisas. Apesar de um aumento de 92,3% nesses auxílios nos últimos cinco anos, passando de 52 em 2020 para 100 em 2025, a participação feminina na Física variou entre 10,7% e 11,8%, com uma média de apenas 11,4% entre 2020 e 2025.

Gráfico auxílios financeiros concedidos por ano para o fomento de pesquisas, mostrando que homens recebem mais financiamento que mulheres.
Gráfico auxílios financeiros concedidos por ano para o fomento de pesquisas.

Os dados são da Diretoria de Análise de Resultados e Soluções Digitais (DASD) do CNPq, que em setembro de 2023 lançou o Painel de Fomento em Ciência, Tecnologia e Inovação. Desenvolvido pela DASD, o painel tem como objetivo contribuir para o monitoramento e avaliação da política científica e tecnológica realizada pelo órgão em todas as áreas do saber. A pesquisa em questão filtrou apenas informações sobre a Física, dentro da Grande Área Ciências Exatas e da Terra Área.

A ferramenta disponibiliza painéis interativos com diversas opções de consulta, promovendo transparência e prestação de contas sobre os investimentos em ciência. “Esse instrumento foi pensado para ser utilizado pela comunidade acadêmica – para realização de estudos e pesquisas –, pela comunidade de gestores e analistas de C&T – para estudos, acompanhamento, avaliação e propostas de aperfeiçoamento das iniciativas, e por toda sociedade interessada em acompanhar as ações do CNPq”, informou o órgão, em 2023, à época do lançamento da ferramenta.

Política de investimento

Débora Peres Menezes, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e Diretora do DASD, explica que há diversos fatores que influenciam o aumento da participação feminina na obtenção de bolsas e auxílios. Segundo ela, a verba para o setor vinha sofrendo com cortes desde o governo Michel Temer, a partir de 2016, o que se acentuou entre 2020 e 2021 em decorrência da pandemia de COVID-19.

“2020 e 2021 foram anos complicadíssimos por causa da pandemia. Muita gente abandonou sua pesquisa. Inclusive, muitas mulheres fizeram isso por causa de maternidade, ou de ter que cuidar da casa ou de outras pessoas. Isso teve um impacto na carreira científica de todos, principalmente para as mulheres”, explica Débora. “Agora, de fato, de 2023 até hoje, houve forte participação do governo Lula: foi liberado o uso do Fundo Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (FNDCT), que havia sido contingenciado no governo de Jair Bolsonaro.”

Exemplo que impulsiona

Débora avalia que as grandes discrepâncias nos números de concessão de bolsas e auxílios entre os gêneros é reflexo da falta de incentivo às meninas para seguirem a carreira de cientistas, algo que aos poucos vem apresentando mudanças. Historicamente, as mulheres batalham para conquistar seu espaço na área de Física, exemplos que são a prova que o lugar da mulher é onde ela quiser.

Uma das grandes expoentes dessa luta é a física brasileira Belita Koiller, vencedora do prêmio Joaquim da Costa Ribeiro de 2025, concedido pela Sociedade Brasileira de Física (SBF), que mostra que não é uma batalha perdida. Belita foi a primeira mulher a alcançar o nível de pesquisadora PQ1-A do CNPq e a primeira mulher a ingressar como membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), na área de Ciências Físicas, em 1996.

A física, professora Belita Koiller, uma senhora de cabelos loiros escuros, curtos, usando um casaquinho cinza e uma scarf colorida de um tecido fino, sobre os ombros.
Professora Belita Koiler, vencedora do prêmio Joaquim da Costa Ribeiro de 2025. Crédito: Arquivo pessoal

“Agora, felizmente, a área da Física tem bastante mulher em nível de pesquisa 1A do CNPq. A mesma tendência de aumento no número de mulheres pode ser observada na ABC: ser a primeira a conseguir isso foi um grande incentivo para mostrar que as mulheres têm capacidade para alcançar altas posições”, lembra Belita.

Seu amor pela Física foi crescendo aos poucos no então ginásio, a partir da leitura de bons livros e do contato com bons professores. “Eu tinha a opção de fazer a escola normal para professora. Minhas amigas todas do ginásio foram fazer o ginásio normal e eu fui na onda. Mas eu fiquei morrendo de tédio nas aulas do normal e já estava simultaneamente assistindo às aulas do científico”, conta. “Então, eu não tive dúvida que a minha vocação seria mais para o lado da Física do que para o lado da escola normal. Mas isso não aconteceu de um dia para o outro. Foi um processo, sempre contei com o apoio da família. Os astros, a química, as conquistas das teorias que explicavam movimentos de cometas, astros, tudo isso me atraiu.”

Uma vez cursando Física na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ), Belita também estudou com grandes professores, muitos dos quais expulsos pela Ditadura Militar de universidade públicas que encontraram refúgio em instituições privadas. Um exemplo feminino foi a Profa Sarah de Castro Barbosa. Ao longo dos anos, Belita construiu uma carreira sólida na área de Física da Matéria Condensada, lembrando que, pela sua curiosidade, busca sempre novos temas de estudo.

Olhando para sua trajetória, ela afirma que não se sentiu excluída tanto na academia quando na área de pesquisa, nem foi prejudicada pelo nascimento do filho. “Eu sou mãe. E a gente se vira. Aqui no Brasil sempre tem ajuda de uma babá, uma vovó, e no exterior eu tinha ajuda do meu então marido, pai do meu filho. Ele também é professor universitário. A mulher tem que realmente abrir mão de certas coisas”, explica, mas não deve abrir mão de ser mãe. “Na hora de escolher uma carreira acho que existe realmente um certo desânimo com a Física. Essa opção de fazer física não é apresentada logo para as mulheres jovens. Acho que nos primeiros anos, as escolas deveriam convidar professores de Física para dar palestras e expor as meninas a essa possibilidade que é gratificante”, comenta a pesquisadora sobre o resultado dos dados levantado pelo CNPq à reportagem do Boletim SBF.

Termômetro da Desigualdade

Ela cita como exemplo de sucesso o projeto Tem Menina no Circuito, que foi tema de matéria do Boletim no Dia Internacional das Meninas e Mulheres na Ciência. “Esse é um exemplo de ação positiva que complementa os prêmios só para as mulheres. Fico satisfeita pelo fato de que o prêmio Joaquim da Costa Ribeiro, concedido pela SBF, é unissex. No Brasil, a academia (ABC) patrocina prêmios para jovens mulheres. A SBF tem o prêmio Carolina Nemes que é só para as mulheres. Eu acho importantíssimos esses prêmios como incentivo para as mulheres, mas é um termômetro do quanto a gente está longe. Enquanto forem necessários – e são necessários – incentivos deste tipo, a situação da mulher não está resolvida. É como se fosse um termômetro da desigualdade.”

Para ela, essas disparidades de gênero e raça foram melhor equacionadas nos Estados Unidos, ao menos antes de Donald Trump. O fato de um homem negro, Barack Obama, ter sido presidente, para Belita, é prova de grandes avanços. Ela criticou a redução do número de mulheres no governo de Luís Inácio Lula da Silva, por exemplo. “Sou feminista, mas não militante. Acho que a militância, às vezes, sai pela culatra. Porque, por exemplo no caso das meninas.se você diz que Física é [BK1] [U2] difícil, as mulheres não têm chances de ser bem-sucedidas na Física, ‘Os homens vão te tratar mal, vão te assediar…’ Você fala coisas horríveis que acontecem com as mulheres na Física. Isso espanta as meninas.”

É plenamente possível ser mãe e cientista, como o exemplo de Belita e de tantas mulheres que hoje estão em posição de destaque na ciência. Débora Peres Menezes lembra que, no entanto, é preciso escolher muito bem os parceiros. Nem todo homem é machista, mas nem todo homem tem consciência que é a sua obrigação dividir de forma equânime as tarefas domésticas e de cuidados com a família e filhos. É necessária uma mudança na postura do sexo masculino que se vangloria por apenas trocar uma fralda ou lavar o banheiro. Há, igualmente, necessidade de aprimorar os mecanismos de financiamento às mulheres, que também precisam deixar claro aos homens que Rita Lee não fez à toa a música “Pagu”, uma homenagem à Patrícia Galvão (1910 – 1962), escritora, poetisa, artista, jornalista, musa dos modernistas de 1922 e ativista que defendeu a quebra de estereótipos da mulher. “Sou rainha do meu tanque / Sou Pagu indignada no palanque.”

(Colaborou Roger Marzochi)