A radiação síncrotron coerente (CSR, da sigla em inglês) é uma das formas mais intensas e brilhantes de luz produzida por elétrons. Ela surge quando partículas carregadas se movem de maneira acelerada em uma configuração coletiva e ordenada, permitindo que as ondas emitidas por cada elétron se somem em fase. Esse processo cria pulsos extremamente brilhantes e de amplo espectro, essenciais para aplicações em terahertz, infravermelho distante, espectroscopia ultrarrápida e diagnóstico de aceleradores.

Um novo estudo publicado na Physical Review Letters, com participação de Alexandre Bonatto, físico e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, propõe um mecanismo inédito para produzir CSR usando um microtubo sólido e um laser circularmente polarizado de alta intensidade.

De acordo com o artigo “Coherent Synchrotron Radiation by Excitation of Surface Plasmon Polariton on Near-Critical Solid Microtube Surface”, a proposta se apoia na excitação de plásmons polaritônicos de superfície (SPPs), ondas híbridas que combinam luz e oscilações coletivas dos elétrons existentes na superfície de um material. Quando um laser incide sobre essa interface, as cargas podem oscilar de modo ressonante, confinando a energia eletromagnética muito próxima à superfície. É como se o material conduzisse uma onda de luz “guiada” ao longo de sua parede interna.

Alexandre Bonatto, físico e professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.

Bonatto explica que o estudo é teórico e numérico, mas o desenvolvimento de um experimento para a sua verificação já está em discussão. Segundo o físico médico, a ideia de gerar luz síncrotron nesse estudo se aproxima do que ocorre no Sírius, onde os elétrons são acelerados em um anel próximos à velocidade da luz e, em certos pontos, suas trajetórias são desviadas por poderosos ímãs, momento no qual a luz síncrotron é liberada.

“Em geral, os gradientes de aceleração das técnicas convencionais são de dezenas a centenas de MeV (mega elétron volt) por metro. Então, eu preciso propagar grandes distâncias para levar essas partículas às energias requeridas. Se não me engano, o Sirius opera a 3 GeV (giga elétron volt). A grande diferença de utilizar um plasma ou uma estrutura sólida, com um laser se propagando nessa estrutura, é que os gradientes de aceleração são muito maiores. Um plasma gasoso suporta campos da ordem de gigavolts por metro, e esse campo escala com a densidade do material”, explica o cientista gaúcho.

“Estudos recentes utilizam estruturas sólidas, que têm densidade várias ordens de grandeza maior que a do gás, atingindo gradientes de aceleração de teraelétron-volts por metro. Em uma distância muito curta, consigo acelerar o elétron a algumas dezenas de MeV. No caso específico desse estudo, trabalhamos com um microtubo que poderia ser confeccionado com uma espécie de ‘floresta’ de nanotubos de carbono.”

Ângulo de Vavilov–Cherenkov

No trabalho, esses SPPs são excitados na superfície interna de um microtubo de densidade próxima à crítica, regime em que a luz interage fortemente com o material, mas ainda consegue penetrá-lo parcialmente. Ao se propagar ao longo do eixo do tubo, o laser acopla eficientemente aos modos cilíndricos desses SPPs, produzindo campos eletromagnéticos com estrutura azimutal, isto é, distribuídos em torno da circunferência do tubo. Esses campos não apenas giram, mas também modulam e confinam elétrons superficiais, acelerando-os diretamente.

Essa dinâmica leva os elétrons a irradiar CSR no ângulo de Vavilov–Cherenkov, um fenômeno que ocorre quando a radiação emitida se organiza ao longo de um cone característico determinado pela velocidade das partículas e pelas propriedades ópticas do meio. Trata-se do mesmo princípio físico por trás do brilho azul em reatores nucleares, mas aqui aplicado a uma fonte laser-plasma em escala micrométrica.

O estudo mostra ainda que a simetria azimutal dos elétrons tem papel decisivo. Quando esses elétrons apresentam uma distribuição mais simétrica ao redor do tubo, a modulação helicoidal produzida pelos SPPs permite que a radiação coerente seja emitida em todas as direções azimutais, na forma de harmônicos isolados. Em outras palavras: a oscilação coletiva do feixe cria padrões de frequência discretos e bem definidos, aumentando muito a intensidade da radiação mesmo quando a coerência total não é perfeita.

Simulações tridimensionais usando o método particle-in-cell indicam que o novo esquema pode gerar raios X com coerência até duas ordens de grandeza maiores do que a obtida por processos incoerentes. Esse ganho é especialmente relevante para o desenvolvimento de fontes compactas e ultracurtas de radiação, um campo que vem avançando rapidamente graças às interações relativísticas entre lasers e plasmas.

“Espera-se que uma próxima geração de equipamentos científicos, industriais e médicos faça uso dessa nova tecnologia, desenvolvendo, assim, equipamentos compactos e possivelmente mais acessíveis, ao invés de depender de uma estrutura gigantesca, centralizada. Talvez no futuro, a gente vai conseguir ter pequenos aceleradores nos laboratórios, nos hospitais, e vamos poder usar tanto os elétrons acelerados quanto essa radiação, para diversas aplicações””, explica Bonatto.

O trabalho também discute desafios experimentais: é preciso lasers de alto contraste — capazes de evitar a formação de pré-plasma que destruiria a estrutura do microtubo — além de tolerâncias extremas na fabricação, geometria e alinhamento do dispositivo. Mesmo assim, os autores afirmam que tais obstáculos estão dentro do alcance das tecnologias atuais ou próximas.

A descoberta dialoga com outra frente recente da física da luz: um novo regime de superradiância, em que a emissão coerente pode surgir por meio da criação de quasipartículas luminais ou superluminais. Essas quasipartículas são excitações coletivas que se comportam como entidades únicas e podem, sem violar a causalidade, se mover de modo que suas frentes de onda se cruzem, formando choques ópticos ou cáusticos — regiões em que a interferência construtiva intensifica ainda mais a radiação.

Assim, o estudo combina dois conceitos de fronteira: o uso de SPPs em microestruturas sólidas para controlar elétrons relativísticos e a exploração de superradiância generalizada para gerar radiação coerente. Juntos, esses elementos abrem caminho para novas fontes compactas de raios X e para uma compreensão mais profunda dos regimes extremos de interação entre luz e matéria.

“Nós temos, por exemplo, um pulso laser na ordem de femtossegundos, ultracurto. Essa radiação vai ser produzida nessa mesma escala de tempo. Então, nós vamos ter, por exemplo, uma alta resolução temporal, também teremos comprimentos de onda múltiplos, de acordo com esses harmônicos que são produzidos”, explica Bonatto. “Essa gama de radiação com essas propriedades que poderão, por exemplo, ser utilizadas para o imageamento de reações biológicas ou moleculares, que são ultrarrápidas, muito pequenas. Também há estudos pensando na utilização tanto dos elétrons acelerados quanto dessa radiação para eventuais formas de radioterapia, uma modalidade chamada de braquiterapia, em que você insere a fonte de radiação dentro da pessoa para tratar um tumor.”

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(Colaborou Roger Marzochi)