No próximo 19 de novembro de 2025, o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) será palco de uma homenagem especial a um dos nomes mais influentes da física teórica brasileira: o professor Sylvio Roberto Accioly Canuto, que encerra recentemente uma das mais notáveis carreiras acadêmicas da instituição. O evento, intitulado Sylvio Canuto Festschrift Symposium, acontecerá no Auditório Abrahão de Moraes, das 9:45h às 17h, e reunirá 16 cientistas, entre jovens pesquisadores e figuras consagradas da ciência, para celebrar uma trajetória marcada por rigor, sensibilidade e contribuições profundas à pesquisa e à formação de gerações de físicos.

A iniciativa, organizada por colegas e ex-orientandos, simboliza não apenas o encerramento de um ciclo, mas o reconhecimento de um legado que ultrapassa fronteiras institucionais. O simpósio marca também um momento de representatividade e renovação: entre os presentes estará a professora Kaline Coutinho, atual diretora do IFUSP e primeira mulher a ocupar o cargo, cuja carreira foi fortemente influenciada pelo trabalho e orientação de Canuto.

O professor Sylvio Canuto ingressou na carreira ainda jovem na UFPE em 1980 e ingressou no IFUSP em 1994 como professor titular, construindo ali uma carreira de mais de quatro décadas dedicada à pesquisa, ao ensino e à formação científica no Brasil. Tornou-se professor titular em 1994 e, recentemente, professor sênior, cargo que reflete o reconhecimento pela excelência de sua atuação.

Além de seu papel como docente, Canuto exerceu importantes funções na comunidade científica: é presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e Coordenador Geral de Ciências, Humanidades e Artes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), onde contribuiu para integrar diferentes áreas do conhecimento em políticas de fomento à pesquisa.

Em sua trajetória acadêmica, Canuto destacou-se pela abordagem interdisciplinar e pelo domínio em Física Teórica, Estrutura Eletrônica e Modelagem Computacional, campos nos quais desenvolveu metodologias pioneiras para compreender o comportamento de moléculas em meio líquido, um desafio de fronteira entre a física e a química. Seu trabalho ajudou a consolidar a chamada abordagem multiescala, que permite estudar sistemas complexos a partir da combinação entre simulações quânticas e descrições estatísticas.

União de gerações

O programa do Festschrift reflete a amplitude da influência de Canuto. De Adalberto Fazzio, diretor da Ilum Escola de Ciência do CNPEM e Professor Titular da USP, a Tárcius Nascimento Ramos, jovem físico formado na Unesp e doutor pelo IFUSP que hoje está na Universidade Namur, na Bélgica, o evento reunirá diferentes gerações de forma presencial o online, pessoas que tiveram suas vidas entrelaçadas à de Canuto.

“No final do curso de bacharelado em Física pela UNESP, campus de Rio Claro (2012), eu já tinha interesse em compreender o comportamento de moléculas. Nesse caminho, encontrei os trabalhos do Prof. Sylvio Canuto e me identifiquei com sua linha de pesquisa sobre modelagem computacional de efeitos de solvente em propriedades moleculares. Trocamos alguns e-mails e nos encontramos antes do início do meu mestrado (2013–2015), quando passei a ser orientado por ele. Desde os primeiros contatos, senti uma simpatia imediata e uma interação sempre leve e estimulante”, diz Ramos, em entrevista por e-mail.

“Nossa colaboração se estendeu também ao doutorado (2015–2020), período em que a experiência, a paciência e a dedicação do professor Sylvio ajudaram a desenvolver em mim o rigor e a criatividade científica que carrego até hoje. Poder celebrar a carreira do Prof. Sylvio é, para mim, uma grande honra e uma forma sincera de expressar minha gratidão por todos os seus ensinamentos”, explica.

Ele lembra que durante o seu projeto de doutorado, encontrou uma dificuldade: o alto custo computacional das simulações, que poderia inviabilizar os resultados finais. “O Prof. Sylvio sugeriu então recorrer a um método aproximativo muito utilizado no passado, mas que havia sido, em grande parte, deixado de lado pela comunidade científica. No fim, além de reduzir drasticamente o custo computacional, os resultados obtidos mostraram melhor concordância com as observações experimentais”, lembra Ramos. “A experiência do Prof. Sylvio em combinar diferentes aproximações e sua confiança de que nem sempre o caminho mais moderno é o mais eficaz me inspiram profundamente. Pretendo transmitir essa lição aos meus futuros alunos: o valor de compreender os fundamentos antes de seguir apenas as tendências.”

O Prof. Sylvio dedicou parte significativa de sua carreira ao desenvolvimento de métodos computacionais para simular moléculas em solução, continua Ramos. “Em colaboração com a Profa. Kaline Coutinho, desenvolveu a metodologia Sequencial-QM/MM, em que diferentes aproximações são aplicadas em sequência para reduzir o custo computacional das simulações. Esse avanço posicionou o Brasil em um patamar elevado de pesquisa científica, mesmo diante das limitações de infraestrutura. Essa metodologia foi apresentada à Universidade de Namur pelo Dr. Marcelo Cardenuto, também ex-aluno do professor Sylvio, o que acabou abrindo as portas para meu atual projeto: compreender diferentes fenômenos ópticos utilizando a abordagem Sequencial-QM/MM. De certa forma, isso mostra como o legado científico do Prof. Sylvio continua gerando novas colaborações e resultados, dentro e fora do Brasil.”

Irmão não se escolhe

Adalberto Fazzio abrirá a série de palestras às 10h, trazendo a perspectiva de quem compartilhou décadas de convivência acadêmica com Canuto e também liderou a SBF em outros períodos. Ramos, por sua vez, representa a nova geração de pesquisadores formados sob a orientação e influência direta do professor: é coautor de um estudo em 2023 sobre absorção de luz por moléculas em meio líquido, publicado com apoio da Fapesp e citado por suas aplicações em microscopia, medicina e armazenamento de dados.

“Você está entrevistando alguém que é quase um irmão dele, talvez mais do que isso. Irmão a gente não escolhe, mas amigo sim”, diz, rindo, Fazzio. Para o diretor da ILUM, Canuto sempre foi uma pessoa íntegra, concentrada e de enorme competência como pesquisador. Ele lembra que, em meados da década de 1980, quando Canuto estava na Universidade de Gainesville, na Flórida, os dois começaram a trocar ideias sobre um método de química quântica que Fazzio queria aplicar em um modelo. Dali nasceu a primeira colaboração científica entre eles, resultando na publicação de um artigo na Physical Review Rapid Communications em 1986.

Desde então, a parceria se consolidou. “Depois dessa fase, ele veio a São Paulo e fizemos vários trabalhos juntos. O Sylvio é um físico de amplitude rara: transita com naturalidade entre a física teórica, a matéria condensada e a química quântica, interagindo com diferentes áreas”, conta Fazzio. Ele também recorda o período em que Canuto passou na Suécia, antes da era da internet, quando conseguir um artigo científico podia levar meses. “Mesmo nessas condições, o Sylvio nunca perdia o foco nem a disposição para o diálogo científico.”

Entre os nomes confirmados estão ainda Benedito J. Costa Cabral (Universidade de Lisboa), Roberto Rivelino (UFBA), Kaline Coutinho (USP), Vladimiro Mujica (Arizona State University) e Herbert Georg (UFG), além de outros colaboradores que participarão presencialmente ou de forma online, compondo um painel internacional de colegas e ex-orientandos.

Uma vida de dedicação

Ao longo de sua carreira, Canuto orientou dezenas de mestres e doutores, muitos dos quais hoje ocupam cargos de destaque em universidades e centros de pesquisa no Brasil e no exterior. Canuto consolidou uma escola de pensamento que integra precisão matemática e intuição física, duas qualidades que o tornaram uma referência incontornável em modelagem molecular e física computacional.

A professora Kaline Coutinho, que foi orientanda e colaboradora constante de Canuto, destaca que o mestre “soube transformar a física teórica em um campo de diálogo, aproximando diferentes áreas e pessoas”. Como líder do grupo de Modelagem Molecular do IFUSP, Canuto sempre incentivou a autonomia intelectual e a colaboração internacional, valores que permanecem como pilares do grupo até hoje.

O Sylvio Canuto Festschrift Symposium não é apenas uma homenagem institucional: é um rito de passagem coletivo, no qual ciência e afeto se entrelaçam. Ao reunir pesquisadores de distintas fases e formações, o evento reafirma a importância das redes de aprendizado e amizade que sustentam a pesquisa científica. O evento com certeza trará uma visão integradora de Canuto, um cientista que transitou com naturalidade entre a teoria e a gestão, entre o laboratório e a reflexão sobre o papel social da ciência.

“A frase que mais gosto de lembrar (de Sylvio Canuto) é ‘sempre esteja no jogo’. O Prof. Sylvio usou essa expressão ao comentar que não sabemos o que o futuro reserva e, por isso, é importante estar sempre atento às novidades para não ficarmos obsoletos, para usá-las quando necessário e adaptá-las à nossa realidade. Fazer ciência no Brasil é desafiador, especialmente quando comparamos com outros países, e mesmo assim o Prof. Sylvio e o grupo que formou mostraram que o Brasil ‘sempre esteve no jogo’”, finaliza Tárcius Nascimento Ramos.

Assista à entrevista

Veja a entrevista na íntegra, com o depoimento de Adalberto Fazzio a Sylvio Canuto, publicada no canal da SBF no YouTube.

(Colaboraram Malu Tippi – IFUSP – e Roger Marzochi – free-lancer da SBF)