O físico Amir Caldeira, professor titular do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi celebrado na semana passada em vários veículos de comunicação, dos tradicionais às redes sociais, pelos estudos que realizou com o físico britânico Anthony J. Leggett (Prêmio Nobel de Física em 2003) que pavimentaram o caminho de Michel H. Devoret, John M. Martinis e John Clarke ao Prêmio Nobel de 2025. Além de Caldeira, outro físico brasileiro também estudou com um dos laureados. Há, inclusive, um amplo histórico de cientistas brasileiros que tiveram papel importante em pesquisas dos premiados pela Academia Sueca de Ciências.
César Lattes é um dos exemplos, pois trabalhou com Cecil Powell, ganhador do Nobel de Física de 1950, após descobrirem o méson pi, uma partícula fundamental na interação nuclear. Lattes foi essencial nessa descoberta, elevando a física brasileira ao cenário internacional, criando no Brasil um ambiente propício para impulsionar o estudo da física nuclear. O pernambucano Mário Schenberg, que além de físico teórico era também político e crítico de arte, colaborou com Subrahmanyan Chandrasekhar, laureado com o Nobel de 1983. Chandrasekhar foi premiado por seus estudos sobre a estrutura e evolução das estrelas. Schenberg fez contribuições importantes em astrofísica e mecânica quântica, influenciando colegas premiados.
Já o cientista Éder José Guidelli, professor do curso de Física Médica da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), anunciado neste ano o vencedor do Prêmio Anselmo Salles Paschoa 2025, da Sociedade Brasileira de Física (SBF), concluiu seu pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), colaborando com o grupo do cientista Moungi Bawendi, um dos três vencedores do Prêmio Nobel de Química de 2023 pela descoberta e desenvolvimento dos chamados pontos quânticos, nanopartículas que brilham ao serem excitadas, por exemplo, por raios X. Em 2018, Guidelli assinou com Bawendi e outros cientistas o artigo Mechanistic Insights and Controlled Synthesis of Radioluminescent ZnSe Quantum Dots Using a Microfluidic Reactor na Chemestry of Meterials.
Protagonismo Pernambucano
Na semana passada, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também estava em comemoração, assim como esteve a Unicamp. Isso porque o ex-estudante e professor da UFPE Ricardo Emmanuel de Souza trabalhou e publicou artigos com John Clarke, um dos laureados de 2025. Ricardo fez a graduação, o mestrado e o doutorado na UFPE, estes orientados por Mario Engelsberg, professor titular do Departamento de Física (DF/UFPE), atualmente aposentado.
Em 1998 Ricardo foi para a Universidade da California em Berkeley onde trabalhou com Clarke em dispositivos de tunelamento quântico, tendo publicado três artigos em co-autoria com K. Schlenga, R. McDermott, A. Wong-Foy, A. Pines e J. Clarke: Low-Field Magnetic Resonance Imaging with a High-Tc dc Superconducting Quantum Interference Device, Appl. Phys. Lett. 75, 3695 (1999); NMR and MRI Obtained with High Transition Temperature DC SQUIDs, J. Braz. Chem. Soc. 10, 307 (1999); High Tc SQUIDs for Low-Field NMR and MRI of Room Temperature Samples, IEEE Trans. Appl. Superc. 9, 4424 (1999). Na volta ao Brasil Ricardo assumiu a posição de professor do DF/UFPE e vários anos depois se transferiu para o Departamento de Engenharia Biomédica da UFPE, onde está atualmente.

Esta não foi a única conexão do DF/UFPE com o Prêmio Nobel. Na década de 1970, Cid Araújo, um dos fundadores do DF, após concluir a tese de doutorado sobre magnetismo não-linear na UFPE orientado por Sergio Rezende e defendida na PUC/RJ, foi para a Universidade de Harvard trabalhar com Nicolaas Bloembergen, que viria ganhar o Prêmio Nobel de Física em 1981 por suas contribuições à óptica não linear.
Os resultados obtidos no pós-doutorado foram apresentados em 1977 na International Conference on Multiphoton Processes, em 1977, e publicado no proceedings como C. B. de Araújo, H. Lotem and N. Bloembergen, Absolute determination of the two-photon absorption coefficient relative to the inverse Raman cross-section, e também em três artigos publicados em 1977 e 1978 no Physical Review.
Também na década de 70, outro físico pernambucano, Jairo Rolim de Almeida, concluiu o mestrado no DF/UFPE, orientado por Sergio Rezende, e foi fazer o doutorado na Universidade de Birmingham, com David Thouless. A principal contribuição da tese foi a previsão de uma fronteira de fases em vidros de spin que ficou conhecida como “de Almeida- Thouless line”.
Antes da conclusão da tese, Thouless saiu de Birmingham e foi para a Universidade de Yale, nos EUA, e Jairo passou a ser orientado por John Kosterlitz. Depois de defender a tese em 1981, Jairo voltou para Pernambuco e tornou-se professor do DF/UFPE. Em 2016, Thouless e Kosterlitz receberam o Prêmio Nobel de Física “por descobertas teóricas de transições topológicas de fases e fases topológicas da matéria”.
No final dos anos 1980, através de uma colaboração entre o Brasil e a França, Anderson Gomes, um dos professores da UFPE, colaborou com a equipe do Centro de Energia Atômica, em Saclay, no desenvolvimento de um laser de alta potência para geração de altos harmônicos. A pesquisa buscava comprovar dois trabalhos anteriores do grupo, nos quais Anne L’Huillier era uma das autoras.
Como resultado de três visitas técnicas, foram publicados dois artigos nos quais Anderson Gomes é co-autor, sendo um deles Optimizing high-order harmonic generation in strong Fields P. Balcou, C. Cornaggia, A. S. L. Gomes, L. A. Lompre, and A. L’Huillier, J. Phys. B: At. Mol. Opt. Phys. 25, 4467 (1992), um dos três artigos seminais que serviram de pilar para a concessão do Prêmio Nobel de Física de 2023 para Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier, for “Experimental Methods that generate attosecond pulses of light for study of electron dynamics in matter”.
Na indicação para o Prêmio Nobel de Física em 2021 para um dos laureados, Giorgio Parisi, “pela descoberta da interação entre desordem e flutuações em sistemas físicos, desde escalas atômicas até planetárias”, e posteriormente na Nobel Lecture de Parisi, seis artigos de co-autoria de professores do DF/UFPE foram citados: dois deles com a participação de Jairo de Almeida, e outros quatro com a participação dos Professores Anderson Gomes, Cid Araujo, Ernesto Raposo e Antonio Murilo Macedo.
Em particular, um dos artigos, Coexistence of turbulence-like and glassy behaviours in a photonic system, Sci. Rep. 8, 17046 (2018), foi citado com destaque por ter permitido pela primeira vez a observação simultânea dos dois efeitos, o que conecta os trabalhos seminais de Hasselman e Parisi, dois dos ganhadores do Nobel 2021 em áreas diferentes (clima e física estatística). Os trabalhos do grupo do DF-UFPE utilizaram como plataforma óptica para observação dos efeitos acima lasers aleatórios (Random lasers) desenvolvidos nos laboratórios, cujos resultados têm embasamento teórico também dos professores do DF/UFPE.
Essas colaborações mostram que a ciência brasileira dialoga com o que há de mais avançado no mundo, não por exceção, mas por vocação investigativa. Do papel de César Lattes na descoberta do méson pi, passando pelas contribuições de Éder José Guidelli em estudos sobre pontos quânticos ao lado de Moungi Bawendi, até a parceria de Amir Caldeira com Anthony J. Leggett e Ricardo Emmanuel de Souza com John Clarke, o que se revela é uma trajetória de participação consistente em temas que moldam a física contemporânea, uma presença que reafirma a importância da pesquisa feita no Brasil como parte ativa da rede global de produção científica.
Por SBF






