Um estudo publicado em agosto de 2025 na revista Nature apresenta avanços significativos na compreensão de como estruturas nanofabricadas podem ser levitadas em altas altitudes por meio de um efeito conhecido como fotoforese. O artigo Photophoretic flight of perforated structures in near-space conditions foi conduzido por cientistas dos Estados Unidos, da Coreia do Sul e do Brasil, incluindo Benjamin C. Schafer, Jong-hyoung Kim, Felix Sharipov, Gyeong-Seok Hwang, Joost J. Vlassak e David W. Keith. O trabalho descreve a fabricação e os testes de dispositivos perfurados que conseguiram flutuar em pressões muito baixas, próximas às encontradas na estratosfera.

No Brasil, o estudo teve a participação de Felix Sharipov, professor do Departamento de Física Universidade Federal do Paraná (UFPR). De acordo com a Plataforma Lattes, Sharipov é graduado em Faculdade de Aerofísica e Pesquisa Espacial pelo Instituto de Física e Tecnologia de Moscou (1980), mestrado em Faculdade de Aerofísica e Pesquisa Espacial pelo Instituto de Física e Tecnologia de Moscou (1982) e doutorado em Faculdade de Física e Tecnologia pelo Instituto Politécnico dos Urais (1987). “Tem experiência na área de Engenharia Aeroespacial, com ênfase em Aerotermodinâmica, atuando principalmente nos seguintes temas: Dinâmica de gases rarefeitos, solução numérica da equação de Boltzmann, simulação direta de Monte Carlo, cálculo numérico de escoamentos de gases a redor de veículos espaciais, em sistemas de vácuo e em micro-sistemas mecânicos e eletrônicos (MEMS)”, informa o Lattes, com informações fornecidas pelo próprio pesquisador.

Felix Sharipov, professor do Departamento de Física Universidade Federal do Paraná (UFPR)

O efeito fotoforético ocorre quando partículas ou estruturas são submetidas à luz em um ambiente de gás rarefeito. A radiação aquece de forma desigual a superfície do material, criando gradientes de temperatura que fazem com que moléculas de gás em contato com a superfície se movimentem de modo assimétrico. Esse movimento gera uma força líquida que empurra a partícula na direção oposta à da região mais aquecida. Em termos simples, a luz pode gerar um impulso em materiais muito leves, permitindo que eles “flutuem” em altitudes elevadas.

O estudo mostra que esse efeito pode ser explorado de forma controlada em dispositivos maiores que poeira ou aerossóis. Até agora, trabalhos anteriores haviam explorado desde partículas microscópicas até discos finos de alguns centímetros de diâmetro. “O modelo se destaca por duas características principais. A primeira é consideração de membranas perfuradas. Todos os trabalhos anteriores consideram fotoforese sobre corpos sólidos tais como esferas, discos ou placas sem perfuração. O nosso trabalho mostrou que a perfuração aumenta significativamente a força fotoforética. Para levar em conta a perfuração microscópica, um novo modelo de interação de moléculas do gás com uma superfície foi elaborado. Segundo, a descrição de interação intermolecular também foi aperfeiçoado através do potencial ab initio. Estes potenciais tem um alto grau de confiabilidade pois foram obtidos a partir princípios básicos sem nenhum parâmetro de ajuste”, explica Sharipov, por e-mail ao Boletim SBF.

Os autores deste artigo avançaram ao projetar e fabricar estruturas compostas por duas membranas perfuradas, separadas por uma pequena distância. Essas membranas possuem ligamentos verticais que as conectam, e tanto o tamanho da estrutura quanto a densidade de perfuração e a distribuição desses ligamentos influenciam diretamente na força de sustentação gerada. “A força fotoforética sobre uma membrana de escala de 1 metro é pequena o que impede a levitação. A ideia é criar uma malha de membranas pequenas conectadas entre si. A modelagem desta composição requer o uso de métodos híbridos combinando a mecânica de meios contínuos e métodos de gás rarefeito. As questões de estabilidade da composição também devem ser estudadas”, explica o cientista.

Um ponto central do trabalho é a ênfase no mecanismo de transpiração térmica como responsável pela elevação fotoforética. Nesse processo, o fluxo de moléculas de gás através dos poros do material, induzido por diferenças de temperatura, aumenta a força de empuxo que sustenta o dispositivo. Os cientistas desenvolveram um modelo híbrido analítico e numérico para calcular a magnitude dessa força em função da altitude, considerando parâmetros como densidade do ar e composição atmosférica.

Os pesquisadores fabricaram protótipos com distribuições heterogêneas de ligamentos, buscando um equilíbrio entre a rigidez estrutural, necessária para manter a integridade do dispositivo, e o desempenho fotoforético. Em experimentos de laboratório, mediram a força de sustentação em diferentes pressões e usando gases de três massas moleculares distintas. Foi registrada a levitação fotoforética de uma estrutura de 1 centímetro de largura a uma pressão de 26,7 pascais, quando iluminada com 750 watts por metro quadrado, aproximadamente 55% da intensidade da luz solar.

Além da demonstração experimental, os autores também projetaram um dispositivo maior, com raio de 3 centímetros, capaz de carregar uma carga útil de 10 miligramas a altitudes de cerca de 75 quilômetros. Esse patamar corresponde à região da mesosfera, próxima ao chamado “quase-espaço”, onde balões estratosféricos já não alcançam e satélites ainda não orbitam.

O estudo discute ainda desafios práticos para o desenvolvimento de veículos fotoforéticos. Entre eles estão o controle do movimento horizontal, necessário para direcionar o deslocamento, e a acomodação durante a noite, quando a ausência de radiação solar poderia causar a perda de sustentação. Apesar dessas limitações, os resultados sugerem aplicações promissoras em áreas como o monitoramento climático, a transmissão de comunicações e até a exploração da atmosfera de Marte, onde a pressão mais baixa poderia favorecer a eficiência desse tipo de dispositivo.

A pesquisa demonstra, portanto, que estruturas extremamente leves, quando projetadas com geometrias específicas e expostas à luz, podem alcançar levitação em condições atmosféricas raras. O passo dado pelos cientistas abre caminho para a criação de plataformas de voo inovadoras, que não dependem de motores convencionais ou de grandes quantidades de combustível. Se desenvolvidos em maior escala, esses dispositivos podem oferecer uma alternativa para transportar pequenas cargas a regiões da atmosfera até hoje de difícil acesso, ampliando as possibilidades de observação científica e tecnológica.

“Acredito que dentro de dez anos será possível colocar os dispositivos na mesosfera com o objetivo de monitoramento climático. Com certeza, os dispositivos vão trazer novas informações sobre os fenômenos na mesosfera, por exemplo, sobre os ventos nas grandes altitudes. A comunicação também pode se tornar mais barata pois a colocação destes dispositivos nas alturas não precisa veículos espaciais”, prevê Sharipov.

(Colaborou Roger Marzochi)