Imagine estar na praia em um dia claro. Você se protege sob um guarda-sol e, apesar da luz ao redor, ali, naquela sombra, você não sofre os danos dessa luz intensa. Mas basta fechar o guarda-sol para você sofrer os efeitos daquela luz escaldante. Nesse exemplo cotidiano, o “estado” do guarda-sol (matéria) faz toda a diferença. Uma nova pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com colaboração do Instituto Max-Planck de Óptica Quântica (Alemanha), mostrou que a luz também pode estar em estados (quânticos) que fazem toda a diferença em relação ao que observamos, inclusive mostrando que a luz pode estar mesmo em locais onde não a vemos. Segundo os autores do trabalho, isso acontece pois, nesses estados, a luz é incapaz de interagir com a matéria.

Intitulado “Bright and Dark States of Light: The Quantum Origin of Classical Interference”, o estudo, publicado em abril na revista Physical Review Letters (PRL), contou com a participação dos pesquisadores Celso J. Villas-Boas, Carlos E. Maximo, Paulo P. de Souza e Romain Bachelard, todos da UFSCar na época do desenvolvimento do trabalho, e do Prof. Gerhard Rempe, do Instituto Max-Planck de Óptica Quântica (Alemanha). Esse estudo apresenta uma explicação inteiramente quântica para um dos fenômenos mais conhecidos da física: a interferência da luz. “Trata-se de uma questão extremamente fundamental, discutida e estudada há séculos”, diz Villas-Boas, professor no Departamento de Física da UFSCar.

Tradicionalmente, a interferência é explicada com base em ondas. Se duas ondas se encontram e estão em fase, somam-se e produzem uma luz mais intensa, como duas gotas que caem em uma poça e geram ondas que se reforçam. Se estão fora de fase, podem se anular, e o resultado parece ser a ausência de ondas (ou de luz) naquele ponto.

Para o cientista, o exemplo clássico é o experimento da dupla fenda, em que a luz produz padrões de franjas claras e escuras, como se ondas de água se sobrepusessem. Em certos pontos da interferência, parece não haver luz. O ponto central é que, nessa visão clássica, a luz é uma onda, e interferências ocorrem como resultado da sobreposição de campos eletromagnéticos. De acordo com a teoria eletromagnética clássica, se dois feixes de luz coerentes se superpuserem com diferença de fase tal que ocorra interferência completamente destrutiva, o campo elétrico resultante no ponto de sobreposição será nulo, implicando na ausência de intensidade luminosa nesse ponto. Mas o novo estudo revela que sim, existe luz naquele ponto!

A explicação está nos chamados estados escuros e estados brilhantes da luz, conceitos centrais do estudo. Em termos simples, os pesquisadores descobriram que cada fóton de dois feixes de luz pode se combinar formando superposições quânticas, isto é, estados quânticos coletivos da luz. “Mesmo que o campo elétrico médio seja nulo, ainda pode existir luz ali. Só que de forma diferente”, explica Villas-Boas.

O estado brilhante é aquele que interage fortemente com a matéria. Já o estado escuro, o chamado “dark state”, não interage da forma usual. “Há fótons, mas eles não interagem com a matéria. Se houver um átomo no espaço livre, sozinho, e sobre ele incidir um fóton em estado escuro, não haverá interação. O elétron ligado a um átomo não será excitado. O fóton não excita detectores nem transfere momento. Mas está lá.”

Esses estados são formados por combinações específicas de fótons em dois modos distintos. Ao invés de pensar em luz como ondas que se sobrepõem, podemos entendê-la como partículas entrelaçadas. O estudo propõe que essa descrição, baseada na superposição quântica, é suficiente para explicar a interferência, sem precisar invocar o modelo ondulatório.

“Isso toca em questões que remontam aos debates entre Newton e Huygens, sobre o que é a luz”, diz Villas-Boas. E tem implicações filosóficas e práticas. “Você pode usar esse conhecimento para melhorar sensores, comunicações por entrelaçamento de fótons, computadores quânticos.”

Ao reexaminar a interferência com lentes quânticas, os pesquisadores dão novo fôlego ao princípio da complementaridade de Niels Bohr, aquele que diz que certos aspectos da natureza não podem ser observados simultaneamente, como o comportamento de onda e partícula da luz. Onde a teoria clássica vê vazio, a quântica vê possibilidade. Onde tudo parece cancelado, o emaranhado ainda pulsa. Como o próprio artigo sugere, há mais do que o olho pode ver. No aparente escuro, a luz quântica ainda dança.

Multimídia

A pesquisa com a participação desses cientistas brasileiros percorreu o mundo, em várias reportagens que o Boletim SBF compartilha abaixo:

NASA Space News


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