por Felipe Moron Escanhoela
Fonte: Ministério das Relações Exteriores
No dia-a-dia, empregamos diversas unidades de medida e usamos os mais variados objetos para realizar mensurações. O quilograma e o litro nas feiras e supermercados, o metro nas lojas, o quilômetro nas estradas ou o metro quadrado nos terrenos são apenas alguns exemplos do uso generalizado, constante e indispensável de um sistema de pesos e medidas.
Estamos tão acostumados com o sistema vigente, que frequentemente não nos damos conta que o processo que o originou foi extremamente complexo, atrelado a interesses econômicos e políticos, além de dependente dos conhecimentos científicos e técnicos.
A ampliação em escala mundial das trocas e do sistema capitalista aumentou a necessidade da definição de padrões comuns entre os países. Os dois eventos primordiais mais importantes, nesse sentido, foram a criação e implantação do sistema métrico decimal francês, durante a Revolução Francesa, e o estabelecimento do Sistema Internacional de Medidas, no final do século XIX.
No Período Colonial brasileiro, as unidades de pesos e medidas predominantes eram as portuguesas, que, embora seguissem um sistema mais ou menos geral, apresentavam uma grande diversidade nos seus valores. A predominância agrária na Colônia, a fraqueza das cidades, os lentos avanços técnicos nas áreas de maior atividade, como os engenhos e minas, a restrição de comércio com o exterior e a ausência de solicitações vinculadas a um desenvolvimento científico inexistente criavam um panorama que não exigia uma definição mais uniforme dos padrões nem favorecia o aprimoramento do sistema existente.
Na primeira metade do século XIX, a abertura dos portos brasileiros ao comércio com outras nações, que não Portugal, e a independência política, que estabeleceu a necessidade do novo Estado ditar as normas comerciais e arrecadar impostos, implicaram no surgimento das primeiras iniciativas para introduzir o sistema métrico decimal no Brasil. No entanto, só na década de 1870 ele foi legalmente implantado.
O gaúcho Cândido Batista de Oliveira (1801-1865) foi o pioneiro e principal defensor dessa idéia. Em 1830, como deputado, ele propôs na Câmara que o sistema métrico decimal francês fosse adotado no Brasil. A proposta foi recusada. Batista de Oliveira continuou a insistir no assunto e, dois anos mais tarde, publicou o livro Compêndio de aritmética, composto para uso das escolas primárias do Brasil, que incluía informações sobre o sistema métrico decimal.
Pouco depois, fez parte de comissão criada pelo ministro da Fazenda, Cândido José de Araújo, para estudar e propor melhorias no sistema monetário e de pesos e medidas. Após várias discussões entre 1834 e 1836, o projeto foi aprovado na Câmara, mas não no Senado.
Em 1851, propôs-se novamente o sistema métrico decimal na Câmara, sem êxito. Batista de Oliveira não desistiu: entre 1857 e 1861, publicou, na Revista Brazileira, criada e dirigida por ele, textos sobre metrologia, nos quais defendeu suas idéias.
Em 1859, em parecer enviado ao ministro da Fazenda, Batista de Oliveira propôs, mais uma vez, a adoção do sistema métrico decimal. Analisando vários impressos ingleses, justificou e propôs a aceitação integral desse sistema e uma estratégia para sua implantação.
Finalmente, em 26 de junho de 1862, inspirada na proposta de Batista de Oliveira e em pareceres e manifestações de outros defensores, a implantação do sistema métrico decimal virou lei.
Os detalhes desse processo e, particularmente, a participação de Batista de Oliveira em seus vários episódios são relatados no artigo “Cândido Batista de Oliveira e seu papel na implantação do sistema métrico decimal no Brasil”, de Ildeu de Castro Moreira e Luisa Massarani. O texto, publicado na edição nº 18 da Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, traz ainda uma biografia de Cândido de Oliveira, uma análise de suas obras, a história da reprodução feita por ele da famosa experiência do Pêndulo de Foucault, além de um apêndice com o sistema de pesos e medidas proposto pela comissão de 1834.