Autor: Antônio Arapiraca

 

Fonte: Terra Magazine

 

   À primeira vista, a origem de recentes avanços da indústria de cosméticos não teria nada em comum com o da pesquisa em arqueologia e paleontologia, ou mesmo com os novos passos da indústria de fármacos e da eletrônica. No entanto, um tipo especial de luz vem sendo responsável por ajudar essas e outras áreas a obter novos produtos ou realizar importantes descobertas. Os cientistas chamam esse tipo de radiação de Luz Síncrotron. E o Brasil está entre os países que detém a tecnologia de construção de fontes que emitem essa radiação, através do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, São Paulo.

LABORATÓRIO NACIONAL DE LUZ SÍNCROTRON

Fachada do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron em Campinas/SP (Foto: LNLS/Divulgação)

 

   Ano passado, a direção do LNLS anunciou a construção de uma nova fonte, maior e mais potente do que a atual, que conta com um tubo em forma de anel de 93,2 metros de comprimento, onde um feixe de elétrons é acelerado até atingir uma energia de 1,37 GeV (Gigaelétron-Volts**). Estes elétrons quando colocados em movimento numa trajetória circular emitem a chamada luz síncrotron, um tipo de radiação altamente intensa.

   Já a nova fonte síncrotron, que se chamará Sirius, contará com 3 GeV de capacidade energética, e será equivalente às fontes ALBA (Espanha) e Diamond (Reino Unido), e superior à fonte Soleil (França), que conta com 2,75 GeV. Um detalhe importante é que o LNLS foi o primeiro laboratório deste tipo construído no hemisfério sul, o que demonstra que aqui nas nossas terras férteis e verdejantes temos também capacidade de desenvolver áreas de altíssima tecnologia.

   Essa é uma porta aberta para colocar o país no páreo de uma tendência mundial, que é utilizar esse tipo de luz para auxiliar diversas pesquisas científicas e industriais, estimulando assim o desenvolvimento de novas tecnologias. Com esse tipo de luz, o Brasil poderá ser um importante colaborador e até mesmo galgar o protagonismo nos mais variados tipos de investigações no mundo, como o desenvolvimento de fármacos inteligentes, que ajudariam com mais eficiência no tratamento de diversas enfermidades. Para ajudar nesse tipo de pesquisa o LNLS mantém centros de pesquisas associados, como o Centro de Biologia Molecular e Estrutural (CEBIME) que em conjunto com o Instituto Butantan desenvolve um estudo que investiga a estrutura de uma proteína que é sintetizada pelo parasita Schistosoma mansoni, responsável pela esquistossomose. Elucidar a estrutura desta proteína vai abrir perspectiva para o desenvolvimento de uma vacina contra a doença.

   A corrida pelo desenvolvimento de novos materiais para a indústria de computadores, produzindo assim chips processadores mais velozes e eficientes, tem sido acirrada em todo mundo. E no LNLS existem poderosos microscópios que ajudam a radiação Síncrotron na caracterização e estudo de semicondutores, além de laboratórios de microfabricação e síntese química. A preocupação com este tipo de tecnologia é tanta que em 2008 o LNLS criou o Centro de Nanociência e Nanotecnologia Cesar Lattes (C2Nano), que visa estudar as propriedades dos materiais em nível atômico e molecular.

   O leque de aplicações dessa luz especial não para por aí. É possível também estudar a formação de aminoácidos no espaço, simulando, em laboratório, as condições de formação dos mesmos em atmosferas estelares. Os aminoácidos formam as proteínas e têm importantes relações com a molécula de DNA, já que essa molécula determina a identidade e a ordem do aminoácido na proteína. Ou seja, esse tipo de radiação nos dá importantes informações sobre a origem da vida. Aplicações mais inusitadas já são feitas nas áreas de arqueologia e palentologia e é possível investigar a estrutura interna de um fóssil sem causar danos ao mesmo.

   Segundo o diretor do LNLS, Antônio José Roque da Silva, 85% da tecnologia presente hoje no laboratório foi totalmente desenvolvida no país. Ele aponta que a questão da inovação tecnológica tem sido uma preocupação constante e que o LNLS tem buscado parceiros. "Nós temos hoje recursos de fontes governamentais e de parcerias com a indústria. Estas últimas somam um montante de 10% de todo o volume. Nosso maior parceiro atualmente é a Petrobrás, mas estamos tentando diversificar", disse. O cientista apontou que o LNLS contratou recentemente um pesquisador francês, especialista na interação com áreas de cosméticos. Além disso, a Natura e outras empresas foram convidadas para aprenderem sobre as possibilidades do LNLS para o setor.

   Referente ao montante orçamentário para construção da nova fonte Sirius, Roque da Silva informou que o custo será de aproximadamente 200 milhões de dólares num período de 4 a 5 anos de construção e que, apesar da cifra parecer alta, esse valor está bem abaixo do qual seria caso o país fosse comprar toda a tecnologia no exterior. "Como já temos a tecnologia e o aprendizado de construção de uma fonte de radiação, isso minimiza os custos", afirmou.

   Todo o leque de aplicações que pode ser feito com esse tipo de tecnologia faz com que o uso de radiação síncrotron pareça coisa de filme de ficção científica, mas é tudo pura realidade. Resta saber se, com as mudanças políticas e cortes orçamentários constantes, o país terá condições de manter investimentos em áreas de alta tecnologia como estas.

 

**O elétron-volt é uma unidade de medida de energia. Um elétron-volt é a quantidade de energia cinética ganha por um único elétron quando acelerado por uma diferença de potencial elétrico de um volt, no vácuo.

*Antônio Arapiraca é físico, professor do CEFET/MG e editor do fóton Blog (www.fotonblog.com)